O grafite em São Paulo não é uma exclusividade do Beco do Batman, na Vila Madalena, Zona Oeste. Na Zona Leste, São Miguel Paulista tem se firmado como uma referência nessa linguagem. Está em alta por lá a restauração das intervenções que integram o projeto Tribos de São Miguel, criado em 2018. A iniciativa consiste em uma série de painéis que contam a história do bairro. O trecho colorido, estimado em 978 metros por seus criadores, se localiza na Avenida Doutor José Artur Nova, entre os números 540 e 800, nos muros de uma empresa que bancou a empreitada. Outro point da street art próximo dali é o Beco do Hulk, na Viela Gildo Lao, com desenhos de super-heróis.
Os mais de cinquenta murais que integram o Tribos de São Miguel seguem uma linha cronológica. Há uma alternância entre texto, paisagens e personagens. O primeiro capítulo da história dá conta da chegada dos portugueses ao Brasil. Contudo, é adotado um tom que não despreza o legado dos milhões de indígenas que já estavam por aqui.
Essa perspectiva é recorrente, tanto que no verbete estampado com o princípio do que seria o bairro descreve-se a presença da etnia guaianazes nessa área. Mais tarde, integrantes desse povo, junto a padres jesuítas, ajudaram a construir a Capela de São Miguel Arcanjo, igreja mais antiga da capital paulista, datada de 1622. Pontuam-se bastante nos painéis questões relacionadas à mobilidade urbana, com destaque para a inauguração de um terminal de ônibus no bairro, em 2014, e das estações de trem Jardim Helena-Vila Mara e São Miguel Paulista, em 2008 e 2014, respectivamente. O bairro dista 30 quilômetros do centro.
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“Não vamos fazer mudanças na estrutura dos painéis. Estamos apenas restaurando a obra, que foi impactada pela ação do sol e da chuva”, explica o pedagogo Edmilson Rodrigues, 55 anos, integrante do grupo Fundação Raça Negra, responsável pela iniciativa, que incluiu seis meses de pesquisa para compilação das informações a ser usadas.
Rodrigues prevê que o término da revitalização ocorra até 1º de julho. Ao todo, foram investidos 250 000 reais, captados via leis de incentivo fiscal. “Na primeira versão, tínhamos 25 artistas, todos homens. Agora, buscamos ser mais inclusivos e chamamos grafiteiras mulheres, como a Charmie e a Jéssica Cat, entre outras”, destaca. Ele também detalha como enxerga o uso de uma das mais famosas expressões da street art: “Muitas vezes, o grafite é visto de forma pejorativa. O que fizemos foi mostrar que ele também tem valor educativo e histórico”.
O intento de Rodrigues, de algum modo, tem dado frutos. Na sexta (21), a reportagem de VEJA SÃO PAULO visitou o projeto. Enquanto alguns pedestres, como a copeira Alessandra de Jesus, 43 anos, passam apressados em direção ao trabalho, sem ter tempo de apreciar os desenhos, a estudante haitiana Rudilaine Meteros, 23, que mora ali perto, é uma espectadora disciplinada. “Estou curiosa para saber como vai ficar depois dessa reforma. Já vi e li tudo o que eles fizeram”, diz com empolgação. “Até já tentei medir a extensão da sequência de painéis, caminhei desde o seu começo até o fim. É grande, viu?”
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Publicado em VEJA São Paulo de 02 de junho de 2021, edição nº 2740