A frase com que a escritora Clarice Lispector (1920-1977) definiu sua relação com as letras, em uma entrevista à TV Cultura, no ano de sua morte — “Quando eu não escrevo, estou morta” —, ficaria eternizada no imaginário do público em relação à autora ucraniana, naturalizada brasileira. Agora, 101 anos depois de seu nascimento, o Instituto Moreira Salles (IMS) realiza uma exposição, com abertura marcada para sábado (23), sobre uma rede de relações na qual ela estava envolvida.
É Constelação Clarice, com curadoria do poeta Eucanaã Ferraz e da escritora Veronica Stigger. “Ela tinha algumas pinturas em casa, era amiga da Fayga Ostrower (pintora e gravurista; 1920-2001), entrevistou a Djanira (da Motta e Silva, também pintora e gravurista; 1914-1979), mas isso não era suficiente para construirmos uma exposição”, afirma Ferraz, que conta então o próximo passo do processo. “Decidimos ir além de aspectos biográficos e testamos a seguinte hipótese: ‘É possível dizer que a obra da Clarice mostra certas linhas de força, presentes também nos trabalhos de artistas visuais contemporâneas a ela?’.”
Pesquisa vai, pesquisa vem, o caminho delineado se mostrou válido, então se ergueu uma galáxia de mulheres, a maioria das classes média e alta, que comungavam de questões artísticas semelhantes. “Elas estavam fazendo perguntas, dando respostas, como se estivessem mais ou menos tecendo uma mesma fala, sobre a mulher entre os anos 40 e 60”, arremata o curador, que acredita ser essa leitura algo novo no meio cultural.
A escultora Maria Martins (1894-1973), que tem sua trajetória revista no Masp, na mostra em cartaz Desejo Imaginante, era uma dessas personas que faziam parte do círculo da escritora. Ela e Clarice, que tem seus manuscritos exibidos no IMS, frequentavam as rodas da diplomacia brasileira. Seus maridos eram, respectivamente, Carlos Martins (1884-1965), que foi embaixador do Brasil no Japão, nos Estados Unidos e na França, e Maury Gurgel Valente (1921-1994), também embaixador, mas no Panamá e na Holanda.
Maury e Clarice viveram juntos até 1959, depois de a escritora de A Hora da Estrela (1977) partir em voo-solo com o divórcio. E é uma peça de Maria Martins que dá as boas-vindas aos visitantes da exposição. Trata-se da escultura Calendário da Eternidade (1953), que nos remete à ideia de circularidade, igualmente presente nas obras de Clarice. Também será possível ver Anunciação (acima; 1952).
Há ainda na mostra trabalhos de 26 artistas, com destaque para Maria Bonomi, que manteve com a autora uma amizade de quase cinquenta anos. “Não era uma relação pautada na literatura. Eu vivia muito o reflexo da percepção dela e ela pegava muita coisa do meu discurso sobre a visualidade”, rememora em entrevista à EBC. Para surpresa do público, telas da própria Clarice serão apresentadas. Sem grandes pretensões, ela nos mostra que a arte pode ter outro caminho, mais leve e cotidiano.
EXPANSÃO DO CCBB À VISTA
O braço paulistano do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) está em contagem regressiva para a expansão para outro prédio na região central. Trata-se da construção no número 131 da Rua Álvares penteado. Era uma agência que foi desativada durante a pandemia. Ela fica em frente à sede atual da instituição, que tem em cartaz agora uma exposição sobre o legado de Giorgio Morandi (1890-1964).
“Nossa expectativa é que a prefeitura libere o início das obras ainda em outubro, para que possamos fazer as reformas necessárias no 2º e 3º piso, onde ocorrerão as atividades culturais”, adianta o gerente-geral claudio Mattos Filho. A inauguração está prevista, de acordo com ele, para o primeiro semestre de 2022, ainda sem definição do mês. Mattos Filho diz também que a sede atual contará com um novo café no térreo, que englobará a antiga loja. Será a primeira filial do Café Girondino, nome forte do centro histórico.
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Publicado em VEJA São Paulo de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760