A perda é grande. São Paulo despede-se hoje não exatamente de um chef de cozinha nem de um restaurateur, mas de um misto desses dois personagens. Morreu hoje às 6h30 da manhã Antonio Buonerba (1939-2018), o Toninho, que teve uma contribuição ímpar para a gastronomia paulistana. Foi ele quem, em 1970, criou o famoso e cultuado polpolettone do Jardim de Napoli, uma das glórias culinárias da capital.
Toninho, paulistano nascido em 31 de outubro de 1939, era filho dos fundadores da cantina Jardim de Napoli, o casal de italianos Maria Prezioso e Francesco Buonerba, aliás, don Ciccio, um marceneiro que resolveu engordar a renda familiar servindo massas e pizzas num barracão no fundos de sua residência no Cambuci. O negócio familiar se profissionalizou tanto que, de lá, migraram para a Rua Maria Paula, na Bela Vista, em 1949.
Não foi nesse endereço, mas na Rua Martinico Prado, em Higienópolis, onde a Jardim de Napoli – A Casa do Polpettone está até hoje, que Toninho teve a ideia de aproveitar as aparas de filé usadas para fazer os espetinhos servidos no restaurante e transformá-las em almôndegas gigantes e achatadas. Não como as originais italianas – bolos de carne quase sempre assados –, mas crocantes pela fritura e recheadas de mussarela, que se espalha em fios aos serem cortadas. O toque final era dado por molho de tomate. A versão definitiva ficou pronta somente em 1970.
“Durante anos, ficávamos felizes quando saíam vinte numa noite”, Toninho me contou quando foi escolhido com a personalidade gastronômica do ano pela edição especial VEJA COMER & BEBER 2015/2016 (leia o texto completo abaixo). Só na década seguinte a pedida foi descoberta pela clientela e virou um fenômeno com 400 unidades vendidas a cada dia na cantina-mãe e em outros três pontos espalhados em praças de alimentação de shoppings. Exaustivamente copiada, a receita original é mantida em absoluto sigilo.
Foi sem dúvida o polpettone do Jardim de Napoli que levou a cantina a faturar sete vezes o prêmio de a melhor de sua categoria pelo COMER & BEBER. Um recorde. O último título de campeã entre as cantinas e trattoria da capital veio em 2016.
Na frente da cantina, Toninho mantinha seu “boteco”, espaço onde costumava receber os amigos e também onde o entrevistei algumas vezes. Ao lado, ficava um casarão onde sempre sonhou em instalar a pizzaria Don Francesco, em homenagem ao pai. Esse projeto nunca decolou, infelizmente, uma vez que a Jardim de Napoli faz uma das melhores pizzas da cidade – sim, pelo menos uma vez na vida deixe o polpettone de lado e prove uma dessas delícias.
Dono de uma alegria única e também de grande teimosia imensa, Toninho era um guerreiro da saúde. Já tinha vencido um câncer de próstata uma década atrás e, recentemente, um problema na veia aorta. Sentiu-se mal no último domingo (24), mas não deixou que o filho Chiquinho o levasse ao hospital. Estava com uma hemorragia intestinal.
Depois de internado, o quadro se complicou e ele veio a falecer na manhã desta quinta (28). Tinha 78 anos. Seu corpo será velado na Funeral Home, e o sepultamento será amanhã às 10h, no Cemitério da Consolação.
O misto de restaurateur e cozinheiro, que partiu hoje, deixa como legado uma São Paulo mais saborosa. Fica para seus filhos, netos, paulistanos e turistas o gostinho bom da Casa do Polpettone.
Abaixo, meu texto quando Toninho Buonerba foi eleito personalidade gastronômica em 2013 pela edição especial VEJA COMER & BEBER
Arrisque pedir um polpettone na Itália e a decepção pode ser grande. Por lá, o bolo de carne moída tem a forma de um salame, que pode ser assado, frito ou cozido no vapor. Nada parecido com a almôndega gigante tipicamente paulistana criada em 1970 pelo simpático Antonio Buonerba, dono do Jardim de Napoli. Sua intenção era aproveitar as aparas do filé à parmigiana. Toninho combinou a carne com diferentes temperos (mantidos em segredo), usou mussarela no recheio, empanou e fritou em óleo abundante. Pronto, surgia o prato, que permanece com uma casquinha crocante, mesmo imerso em molho de tomate e coberto por fios de parmesão.
“Durante anos, ficávamos felizes quando saíam vinte numa noite”, conta. Só no início da década de 80 a delícia foi descoberta pela clientela e estourou. “Hoje, vendemos 1 200 unidades por semana, fora outras 3 000 nos três pontos de shopping”, diz, com orgulho. “Viramos a Casa do Polpettone.” Em vez de ficar na cantina, o empresário prefere passar o dia no seu QG, o Boteco do Tonico, do outro lado da rua. Ali, cuida de tarefas administrativas e também recebe amigos para saborear as pizzas que ele mesmo prepara e, claro, polpettones.
Prestes a completar 74 anos, divide o comando dos negócios com os filhos Francisco, Ana Cristina e Rosana. “É importante transferir o controle a eles para que o negócio continue vivo”, afirma. Mas isso não significa aposentadoria. Pelo contrário. Toninho prepara-se agora para abrir uma moderna cozinha quase ao lado da cantina. Em seus planos está ainda a inauguração, na mesma quadra da Rua Martinico Prado, da Pizzeria Francesco. Trata-se de uma homenagem ao pai, um italiano de Nápoles, ótimo pizzaiolo e fundador da casa, em 1949. Por sua contribuição à boa mesa, Toninho Buonerba recebe o título de personalidade gastronômica do ano.
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