Faleceu nesta madrugada em decorrência de falência múltiplas de órgão aos 85 anos, Belarmino Fernandez Iglesias, o senhor churrasco. Figura de proa da gastronomia nacional, Iglesias era personagem encantador. No melhor estilo self-made man, ele ergueu um império gastronômico do nada, o que torna sua trajetória ainda mais saborosa.
Iglesias foi um dos homens que ensinou o paulistano a apreciar carnes de qualidade — antes dele, existiam apenas espetos de filé e o contrafilé, cortes ditos nobres, ou melhor, macios. Com sua churrascaria Rubaiyat, nascida em 1957 de um projeto já ambicioso na então elegante Rua Vieira de Carvalho no centro de São Paulo e hoje transformada em uma rede internacional, o restaurateur investiu no desenvolvimento de matrizes bovinas – sim, tudo começa com a qualidade da matéria-prima, ou seja, como se cria o gado –, nas técnicas de maturação, em novos cortes e na grelha inclinada que passou a usar depois de seguidas viagens à Argentina.
A história dele com o Brasil e mais especificamente São Paulo começa quase sete décadas atrás, quando o jovem boa pinta e de fala fácil deixou para trás uma Europa emprobrecida e ainda arrasada pela II Guerra Mundial e sob os efeitos da ditadura franquista. Meteu-se no porão do navio Cabo de Hornos tendo com destino uma metrópole desconhecida, mas em pleno desenvolvimento e cheia de oportunidades, que ele soube agarrar.
Diz a lenda que trazia apenas 1 dólar no bolso – todo o dinheiro que havia amealhado, não muito, contou em uma das muitas entrevistas que fiz com ele, gastou em farras antes do embarque para cruzar o Atlântico. Apoiado por outros imigrantes que já se encontravam na cidade, começou a vida como lavador de pratos num boteco do Largo do Paiçandu, pouco depois de se instalar num cortiço no então distante bairro do Belenzinho. Começava ali a saga que o consagraria como um dos maiores empresários da gastronomia que a capital paulista já teve.
Aliás, Iglesias levou o título de restaurateur do ano pela edição VEJA COMER & BEBER em setembro de 2007, quando esse prêmio foi criado. Escrevi que o seu “dom de grande empreendedor não tardou a aflorar. O rapazote conseguiu um posto raso na extinta e lendária Cabana, churrascaria da família de Massimo e Venanzio Ferrari. Em ascensão vertiginosa, tornou-se maître em oito meses. Convidado para comandar o salão do Baby Beef Rubaiyat, aberto em 1957, fez uma exigência aos novos patrões: queria 10% da sociedade. Aceita a proposta, cinco anos depois Iglesias, fazendo empréstimos, tornou-se o único proprietário. Seus investimentos não se limitaram ao restaurante. Desde 1968, ele tem uma fazenda em Mato Grosso do Sul, onde promove o aprimoramento genético de novilhos. […] Além das duas churrascarias, mantém os prodigiosos Figueira Rubaiyat e Porto Rubaiyat, inaugurado em janeiro. Os negócios de Iglesias não se limitam ao Brasil. Em 1995, associou-se à churrascaria Cabaña Las Lilas, de Buenos Aires. Do ano passado para cá, desfraldou a bandeira Rubaiyat em três casas de Madri. Aos 76 anos, está longe de se acomodar. Quer agora levar sua grife ao Rio de Janeiro, Brasília e Salvador.”
Essa expansão não parou aí. Depois levar sua bandeira para Buenos Aires, voltou os olhos para sua Espanha natal. Foi na capital espanhola que inaugurou em 2006 o Rubaiyat Madri, ao arrematar o restaurante Cabo Mayor. Não foi um negócio simples de concretizar. Depois de duas tentativas de compra, Iglesias conseguiu em março de 2005, alugar o restaurante instalado no térreo de um edifício residencial de sete andares dos anos 60, pertinho do estádio do Real Madrid e da Plaza de Castilla. No finalização da compra, VEJA noticiou que se tratava de um empreendimento de custou 5 milhões de dólares, com capacidade atender até 12.000 clientes por mês.
Na época do negócio, Iglesias, sempre apoiado na administração por seu primogênito, Belarmino Filho, dá a volta por cima como poucos imigrantes. Regressava a seu país de origem de uma forma muito confortável. Ao inaugurar seu restaurante oficialmente em Madri, contou com a presença de Felipe González, ex-primeiro-ministro da Espanha. “Saí daqui como um imigrante e, hoje, volto para o meu país como um empresário”, disse cheio de orgulho na ocasião.
Com a flutuação da moeda estrangeira, houve um revés no grupo em 2012. Iglesias, já sofrendo com efeitos de um AVC, delegou a Belarmino Filho a missão de vender 70% da rede ao fundo espanhol Mercapital. Nos últimos cinco anos o bife Rubaiyat chegou a outras capitais brasileira com a abertura de filiais no Rio de Janeiro e em Brasília. Também ganhou unidades internacionais em Santigo do Chile e na Cidade do México.
No início deste ano, os filhos de Iglesias acabaram selando um negócio para a recomprar a rede, que em São Paulo recebeu no ano passado nada menos que o 15º prêmio de melhor carne, um recorde da categoria nos vinte anos de história de VEJA COMER & BEBER. . Numa conversa com Belarmino Filho, ele contou que só foi possível fazer isso porque nas casas da rede atendem 1 milhão de clientes por ano e faturaram perto de 40 milhões de dólares em 2016.
Belarmino Fernandes Iglesias não partiu sem antes de o negócio que ele fundou voltar à de sua família. Numa conversa que tive ontem como Belarmino Filho, entre emocionado resignado pelo estado de saúde delicado do pai, que o obrigou a vir às pressas da Espanha, disse o empresário: “Devo tudo a ele o que sei e que sou. Simplesmente tudo. Ele me ensinou o que é caráter, perseverança. É um exemplo de superação.”
O velório será a partir do meio-dia às 7 da noite no Hospital Albert Einstein, nessa terça (30). Depois o corpo segue para ser enterrado na cidade espanhola de Rosende na Galícia, onde ele nasceu.
Deixa os filhos os Belarmino, Luiz Fernando e José Carlos, três noras, entre elas Ana Lucia Iglesias que participa ativamente da direção dos restaurantes, e sete netos.