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Vejo que o pessoal dos condomínios anda saindo, conta monitor de câmeras

Everaldo Mariano, operador de monitoramento, ajuda com aulas de portaria a desempregados

Por Mariani Campos
Atualizado em 22 Maio 2020, 16h55 - Publicado em 15 Maio 2020, 06h00
Mariano: de olho nas telas e ajuda com aulas de portaria a desempregados (Rogério Pallatta/Veja SP)
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“Vi muito amigo perder o emprego. Como monitoro câmeras de segurança de vários lugares, como hospitais, bancos e condomínios, tenho sorte de trabalhar em uma área que não tem como parar. Cuido de mais de dez monitores ao mesmo tempo em uma sala com outras duas pessoas. A gente mantém a distância, usa máscara e álcool em gel. Para vir trabalhar, uso o trem, e nas últimas duas semanas aumentou bastante o número de pessoas dentro dos vagões. Aliás, não concordo com a decisão do governo de diminuir os ônibus e colocar este rodízio exatamente por isso: agora os trens ficam todos cheios.

Eu monitoro o Hospital do Grajaú e percebo que as pessoas estão com medo de ir ao médico. Também moro no Grajaú, e aqui não está acontecendo o que a gente vê em outras regiões da cidade, como aglomeração, festa na rua, nada disso. O pessoal tem se cuidado, e os supermercados não deixam ninguém entrar sem máscara, tudo certinho.

Tenho sentido falta de contato físico, abraço, beijo, aperto de mãos. Fui criado por uma família que não era muito afetuosa, então sou carente disso. Não estou com medo de pegar o vírus, não, mas tomo todos os cuidados. Concordo totalmente com a quarentena. Tem de ficar em casa, ainda que não seja isso que eu vejo pelos monitores. Nos condomínios que fico olhando, o pessoal continua saindo. Fica difícil.

Cheguei há mais de dez anos aqui em São Paulo, vindo de Pernambuco. Passei por alguns momentos ruins por lá e quis uma nova vida, mas penei muito. Não conseguia emprego na minha área anterior, auxiliar de laboratório, então acabei expulso da casa dos amigos onde eu estava ficando. Aí, pelo Facebook, conheci a dona Cleonice e contei pra ela tudo o que estava acontecendo. Ela me chamou pra morar na casa dela, e eu fui. Consegui emprego na portaria de um prédio residencial na Rua Fradique Coutinho um mês depois. Moramos juntos por quatro anos até eu me mudar de novo.

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Na minha nova casa, comecei a abrigar pessoas que estavam passando pela mesma situação que eu passei no começo da minha vida aqui na cidade. Gente desempregada, LGBTs expulsos de casa, fui colocando todo mundo para dentro até ter de me mudar para um lugar maior, porque já tinha 28 pessoas morando comigo. Eu pagava o aluguel e as contas, e quem ia conseguindo emprego tinha a obrigação de ajudar os novos moradores, colocando crédito no bilhete, essas coisas.

Dessa fraternidade que virou a minha casa surgiu a União Força Jovem. Em tempos normais, além dos cursos de portaria e monitoramento, temos aula de barbearia, para incentivar quem está sem emprego a conseguir a própria renda. Inclusive, eu consegui o emprego em que estou hoje por causa do curso de monitoramento: um dos alunos já estava empregado nessa empresa, mas foi fazer as aulas para se aperfeiçoar. Aí ele me indicou, e eu estou lá desde 2018, depois de passar um tempo desempregado.

Tenho acompanhado pelo Facebook muitas pessoas desempregadas e até mesmo desesperadas, já que com o isolamento fica ainda mais difícil conseguir emprego. Por isso decidi manter as aulas na União Força Jovem. Continuei dando o curso de portaria e monitoramento, mas agora só com três alunos de cada vez, todo mundo de máscara e usando álcool em gel. A gente não tem auxílio da prefeitura, é tudo por nossa conta. Durante esse período já dei o curso a umas quarenta pessoas, e dez delas até conseguiram trabalho porque indico a turma em todos os lugares que conheço.

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A União é a minha forma de retribuir tudo o que fizeram por mim aqui em São Paulo. Agora moramos eu e um amigo, mas ainda mantenho contato com todos que passaram lá pela casa. Sinto saudade da minha mãe, não a vejo desde que me mudei aqui pra São Paulo. A gente estava planejando uma visita, mas agora, com tudo isso acontecendo, não tem como. Quando ela vier, vou lhe mostrar a cidade toda, ver se ela se encanta e vem morar para cá. Ela ainda não sabe de tudo isso que houve na minha vida, estou esperando pra contar pessoalmente.”

 

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 20 de maio de 2020, edição nº 2687.

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