Pequena, frágil e imponente, Tomie Ohtake sentou-se, na última terça-feira (23), no meio de uma sala do instituto que leva seu nome e ficou mais de duas horas entre beijos e cumprimentos. “Ela está divina. Parece uma rainha recebendo os súditos para o beija-mão”, comentou o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil. Aos 97 anos, completados dois dias antes, a artista nascida em Kyoto, no Japão, em 1913, estava inaugurando uma nova exposição. Em cartaz até fevereiro, “Pinturas Recentes” é formada por 25 acrílicas realizadas nos últimos quinze meses.
Tanta produtividade vinda de alguém com idade tão avançada foi o assunto do evento de abertura — cerca de 700 pessoas passaram por lá. Parte considerável do circuito artístico da cidade compareceu, com destaque para Nuno Ramos, Antonio Dias, Paulo Pasta, Artur Lescher, além de galeristas (Nara Roesler, Raquel Arnaud, Vilma Eid) e diretores de instituições como Pinacoteca e Masp. Até alguns políticos não perderam a chance de prestigiar um dos nomes fundamentais da cultura brasileira das últimas décadas, caso dos senadores eleitos Marta Suplicy e Aloysio Nunes Ferreira e do ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho. “Quando começamos a construir o Auditório Ibirapuera (em 2002), fiquei surpresa com a vitalidade do Oscar Niemeyer, autor do projeto do prédio, e da Tomie, que criou uma escultura para ele”, afirma Marta Suplicy. “Anos depois, ainda continua muito ativa.” Em outro local do instituto havia a projeção do trailer de um documentário assinado pela diretora Tizuka Yamazaki e em fase de finalização.
Os trabalhos da nova individual impressionam. Todos trazem como elemento comum o círculo, tido na cultura japonesa como a forma que reproduz o ideal de perfeição. Ao representá-lo, Tomie recorreu à variação delicada de cores e texturas, característica que sempre se destacou em suas criações. A montagem da mostra, com todas as telas instaladas em uma mesma sala, ajuda no propósito de conectar o espectador de modo sensorial, mais ligado à sensibilidade que à racionalidade. “Desde pequena eu amo o círculo”, explica. “Porque é muito sintético formalmente, mas significa tanta coisa: paz, amor, morte.” Segundo o filho Ricardo Ohtake, diretor do instituto, há alguns anos sua mãe fez uma cirurgia na coluna e passou um tempo sem trabalhar. Teve de reencontrar o caminho. “Ela ficava experimentando e nunca se satisfazia. Um dia, depois de matutar quieta, disse: ‘Agora eu sei’.” Começava ali sua obsessão dos círculos, antes um tema apenas esporádico.
O resultado rendeu elogios. “As pinturas exalam plenitude e sabedoria”, analisa Paulo Pasta. “Eu tinha visto os quadros no ateliê, mas assim, todos juntos, o efeito é outro e nos faz lembrar quão brilhante colorista ela é”, comemora Nara Roesler, responsável pela carreira da artista, de quem inaugurou recentemente uma escultura na entrada de sua galeria. Trabalho, aliás, não falta: além de encomendas para obras públicas em Sorocaba, Praia Grande e Bertioga, Tomie acaba de criar uma peça que ficará em um jardim na frente do Hotel Unique, projetado por seu filho Ruy. “Quando a gente acha que entendeu sua produção, surpreende-se com algo totalmente novo”, afirma o neto Rodrigo. “Até quando ela assiste à novelinha das 8, está pensando mesmo é em pintar”, completa Ricardo.
Os Ohtake realizam todo domingo um almoço na casa da família, no Campo Belo. O último ocorreu em pleno aniversário da matriarca. A verdadeira festa, no entanto, foi à noite, no show de Paul McCartney no Morumbi — a artista ficou no camarote do ex-jogador Raí, com direito a bolo e parabéns. Queria “sentir o clima das pessoas juntas”. Um carro estava a postos para quando quisesse ir embora. Mas, enérgica, manteve-se firme até o fim. O produtor cultural Emilio Kalil presenciou a cena. “Quando McCartney terminou a última música, Tomie virou para mim, sorrindo muito, e, daquele jeito tão direto dela, falou apenas: ‘Bom, né?’.”