O portão da garagem do Edifício Maison Montclair, em Higienópolis, era novo, tinha sido reformado quatro meses antes, quando foi transformado em um V na quinta-feira da semana passada (26). Uma árvore plantada na frente do prédio despencou sobre o portão durante as fortes chuvas que atingiram a capital.
Enquanto o zelador Cesar de Moura contava o que tinha acontecido e o prédio planejava acionar a Prefeitura para ser reembolsado, um galho de outra árvore na rua despencou sobre um carro. Pouco depois, na Avenida Angélica, duas árvores caíram sobre uma Kombi.
No quarto janeiro mais chuvoso dos últimos 75 anos, São Paulo registrou ao longo do mês a queda de 833 árvores – 26,9 por dia. Somente entre quinta (26), e sexta-feira (27), ocorreram 132 quedas, com destaque para as regiões da Sé (28), Vila Mariana (15) e Pinheiros (12). O problema não é causado diretamente pelas chuvas, mas é favorecido por ventos fortes ou pancadas d’água muito intensas e localizadas.
Essa também foi a explicação para o alto número de árvores que caíram há dois anos. Em janeiro de 2015, apesar de ter chovido cerca de um terço do janeiro deste ano (156,2 mm, ante 453,8 mm) caíram 1.013 árvores na capital, de acordo com dados da Defesa Civil.
Os números de dois anos atrás e de agora, porém, impressionam e chamam a atenção para o estado de conservação das árvores. O secretário do Verde e do Meio Ambiente, Gilberto Natalini, reconheceu em entrevista ao Estado que hoje a Prefeitura não sabe exatamente quantas existem nem qual é o seu estado de saúde. A última estimativa, de 2014, falava em cerca de 650 mil. “É um dado antigo, também não temos uma diagnóstico preciso de quantas estão doentes, mas há alguns cálculos de que cerca de 30% precisam de cuidados”, disse. Ele pretende, ao longo do ano, fazer esse diagnóstico.
Tomografia. Uma experiência-piloto para tentar lidar com o problema foi feita na terça-feira, 31, pela Prefeitura Regional da Vila Mariana com a Secretaria do Verde. Com um tomógrafo emprestado, foi feita uma análise das condições de 40 árvores localizadas ao longo da Avenida República do Líbano, na zona sul de São Paulo.
O aparelho e o serviço foram doados para essa atividade pela empresa AMG Ecologia Aplicada, que informou cobrar, em média, por árvore, 2 000 reais para rodar o diagnóstico, o que totaliza em 80 000 reais o trabalho completo. Somente o aparelho custa cerca de 130 000 reais.
“Experimentamos uma técnica que hoje a Prefeitura não tem. Se sentirmos que é uma coisa importante, podemos colocá-la como um objetivo da secretaria para diagnosticar árvores doentes”, disse Natalini. “A ideia é não depender somente do olho humano para poder evitar quedas.”
Para o biólogo Ricardo Cardim, que tem um projeto de plantio de árvores nativas em São Paulo e também atua com esse tipo de análise, a tomografia é bem-vinda, mas insuficiente. “Essa tecnologia é um instrumento acessório importante, mas não é o que vai salvar as árvores da cidade. É preciso antes de mais nada fazer o simples: um inventário, um mutirão para desobstruir canteiros que foram cimentados, refazer áreas permeáveis e aterrar a fiação elétrica”, afirma.
Segundo Cardim, hoje o principal fator de fragilização das árvores são as podas para livrar a fiação elétrica. “Normalmente são cortados galhos muito grandes. E isso acaba deixando a árvore ferida, o que é um convite para fungos e cupins. A árvore não consegue cicatrizar antes de ser contaminada”, explica. Outro problema são os entornos cimentados. “Isso enforca a árvore, que pode morrer ou ficar fragilizada e cair.”
Chuvas. A capital paulista teve neste ano o quarto janeiro mais chuvoso dos últimos 75 anos, com um total de precipitação, até a manhã de terça-feira, 31, de 453,8 mm, de acordo com registros da estação meteorológica do Mirante de Santana.
Segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a quantidade de chuva foi 74% acima da média do mês, que é de 261 2 mm, observada entre 1943 e 2016. O janeiro mais chuvoso foi o de 2011 (493,7 mm), seguido de 1947 (481,4 mm) e 2010 (480,5 mm). Janeiro de 2017 teve 21 dias seguidos com chuvas, cinco dias a mais que a média histórica.