Marcelo Braz da Silva, de 47 anos, troca o dia pela noite. Normalmente, ele dorme ao meio-dia e almoça às 19h30. Já a siesta vai até às 23h, quando sai para trabalhar. Essa reviravolta de horários e rotina tem um motivo: há três meses, Marcelo é motorista da linha 3310-10, que liga o Terminal Amaral Gurgel, em Santa Cecília, à Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital. Conhecida como Rainha da Noite, a linha é a mais longa de São Paulo, com 103 quilômetros de extensão, distância equivalente ao percurso entre Sorocaba e São Paulo.
Até o fim do ano, outros motoristas e cobradores terão a mesma rotina de Marcelo. A Prefeitura promete criar uma rede de ônibus noturnos, de modo a ampliar e regularizar as 98 linhas que já circulam no período entre 0h30 e 4h59. Segundo Ana Odila de Paiva, da diretoria de Planejamento de Transporte da Secretaria Municipal de Transportes (SPTrans), uma rede estrutural será criada, com linhas que seguirão os trajetos do metrô e dos trens, além de percorrerem os principais corredores de ônibus da cidade.
“Temos o compromisso de montar a rede noturna para que as pessoas possam contar com o sistema de transporte. Atualmente, as linhas que existem são poucas e não têm frequência regular. Precisamos atender à demanda dos que trabalham à noite e também daqueles que, por causa da lei seca, deixam seus carros em casa”, afirma. Ela explica que essa será uma das principais modificações no novo edital de concessão do transporte público em São Paulo, prometido para a próxima semana.
“Vamos incluir na licitação critérios que vão facilitar essa mudança.” Um deles, adianta, será o repasse de tarifas diferentes por horário – atualmente, as empresas recebem pela média de passageiros e, por isso, preferem trabalhar nos horários de pico.
Na Rainha da Noite, a única linha que liga a região central ao extremo leste da capital de madrugada, os passageiros são, em sua maioria, garçons, seguranças, atendentes de telemarketing e garis. A VEJASAOPAULO.COM viajou no ônibus por duas madrugadas. Nos três horários em que sai de Santa Cecília, à 01h, às 02h05 e às 3h, o carro vai cheio, especialmente a partir de quinta-feira.
Ao longo do trajeto, mais pessoas vão entrando no ônibus, que só começa a esvaziar a partir de Guaianases. “São Paulo não para, só o transporte que para”, reclama Manoel Baleco, de 51 anos, morador de Cidade Tiradentes e garçom no centro.
Douglas Oliveira da Silva, que também trabalha como garçom e perde horas no transporte, quase não vê a filha de 4 anos. “A Zona Leste é muito grande para ter só uma opção de ônibus. A gente paga três reais de transporte e, para quem trabalha de madrugada, é horrível”, diz. “Eu passo mais tempo fora do que dentro da minha casa. Minha filha cobra a minha presença. Chega a ser desumano.”
Ana Odila Paiva afirma que a passagem da rede da madrugada terá o mesmo valor da comum e que o sistema também valerá para o Bilhete Único Mensal. De acordo com ela, essa situação não trará, a longo prazo, custos a mais para a administração. “A racionalização do sistema atual irá, no futuro, cobrir esses custos.”