Nos últimos meses, a vida do estudante paulistano Natan Cardoso de Oliveira, de 15 anos, sofreu uma reviravolta. Morador da favela de Paraisópolis, onde vive desde que nasceu, ele foi convidado a participar de um grupo para criar um experimento espacial, teve seu projeto escolhido pela Nasa e acaba de embarcar aos Estados Unidos para apresenta-lo em um congresso em Washington. Também vai acompanhar o lançamento da invenção ao espaço – o experimento, um cimento espacial, feito com cimento comum, areia lunar e um plástico biodegradável em pó, será testado na Estação Espacial Internacional (ISS).
“Até sonhava em viajar ao exterior um dia, mas nunca imaginei que isso iria acontecer tão cedo, e por esse motivo”, diz ele. Estudante do nono ano da EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Perimetral, localizada dentro da comunidade, Oliveira ganhou uma bolsa do colégio Anglo para começar o ensino médio em uma unidade dessa instituição a partir do ano que vem, e outra da escola de inglês Wizard – ele fez um cursinho intensivo do idioma, durante um mês e meio, para conseguir se virar bem durante a viagem.
O garoto embarcou na noite de terça (26) para Washington junto com sua orientadora, a professora de informática educativa Camila Mafra Uva, e de Leandro Alves dos Santos, formador de professores municipais da diretoria regional de Educação. Chegaram à cidade na manhã desta quarta (27).
A viagem, bancada pela prefeitura, vai durar sete dias e inclui hospedagem na universidade católica local. Os outros quatro alunos que fazem parte do grupo e desenvolveram o experimento junto com Oliveira embarcaram dias antes. Três deles – Guilherme Funck, Laura D’Amaro e Otto Gerbakka – são do colégio Dante Alighieri, nos Jardins; e uma, Sofia de Ávila, é do Projeto Âncora, ONG de Cotia, na Grande São Paulo. Todos têm 13 anos. Os alunos do Dante tiveram as passagens e a estadia bancadas pelo próprio colégio; e Sofia conseguiu embarcar graças a doações.
O lançamento do projeto ao espaço está previsto para as 6h20 de quinta-feira (28), a partir de Cabo Canaveral, na Flórida. Como vão participar do congresso em outra cidade, os cinco estudantes irão assistir ao evento em um telão montado dentro do National Air and Space Museum, o museu do espaço de Washington.
O projeto
O experimento do cimento espacial foi selecionado entre 72 projetos apresentados por alunos do Dante Alighieri, da EMEF Perimetral e do Projeto Âncora. Como prêmio, será testado por astronautas na ISS. Se os resultados forem positivos, o material poderá, no futuro, ser usado em construções fora da Terra, seja em estações orbitais ou em outros planetas – como Marte, por exemplo. Seu trunfo é a presença do polímero, o plástico biodegradável que já é utilizado atualmente na ISS, capaz de criar uma camada protetora contra os altos índices de radiação emitidos no espaço, que podem provocar câncer.
O concurso foi organizado pela Missão Garatéa, projeto criado por um grupo de pesquisadores brasileiros com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de iniciativas espaciais entre estudantes. “Nossa ideia foi convidar o Dante Alighieri, pois o colégio já era nosso parceiro em experimentos anteriores, e também alunos de escolas públicas”, explica o engenheiro espacial Lucas Fonseca, diretor do projeto. As instituições escolhidas foram o Projeto Âncora, que mantém atividades com o Dante Alighieri, e a EMEF Perimetral, devido ao alto índice de vulnerabilidade social entre os alunos dessa escola. O concurso que seleciona as invenções dos estudantes a serem testadas pelos astronautas já existe há catorze anos, mas até então, só havia envolvido norte-americanos e canadenses. Esta é a primeira vez que jovens de fora da América do Norte integram o time. “O pessoal da Câmara de Comércio Brasil-Flórida conheceu nosso trabalho de pesquisas e achou que tínhamos condições de participar.”
Ao todo, 335 estudantes foram envolvidos na competição, e trabalharam por dois meses – de agosto a novembro de 2017 – na execução dos projetos. “Primeiro, pensamos em enviar cimento. Mas não tinha por que mandar ao espaço o cimento comum; daí é que veio a ideia de criar o material antirradiação”, conta Oliveira.
O grupo, no entanto, teve percalços no meio do caminho. “Uma das exigências da Nasa é de que o material não libere muita energia. Então, tivemos de definir a quantidade certa de cada ingrediente para que isso não acontecesse”, relembra o estudante. Ele e sua equipe recorreram aos laboratórios da USP e da PUC para fazer diversos testes, até chegar à fórmula perfeita.
Após passar por várias bancas avaliadoras, três invenções chegaram à fase final: o cimento espacial; um experimento que verificaria os efeitos da microgravidade sobre o sangue conservado para transfusão sanguínea; e a intervenção do composto químico tungstato no desenvolvimento de bactérias no espaço. A decisão final foi da Nasa, que elegeu o cimento como o melhor projeto.
Os cinco alunos criaram dois tubos com a mesma quantidade de cimento espacial. Um vai para a ISS; e o outro ficará em um ambiente dentro do Dante Alighieri. Enquanto um dos astronautas executa os testes na estação espacial, outro pesquisador faz a mesma coisa com o outro tubo deixado no colégio. A ideia é que, após o término da expedição, que deve durar trinta dias, o material enviado à ISS retorne à Terra, para ser comparado com o outro tubo.
“Nossa hipótese é a de que o endurecimento do cimento na ISS aconteça de uma forma mais lenta devido à microgravidade”, prevê Oliveira. “Também achamos que ele não vai endurecer preenchido por dentro, ou seja: ficará oco, endurecendo só nas paredes do tubo. O importante é saber se a fórmula vai funcionar, se o cimento espacial vai endurecer, e ver se será resistente ou não para futuras construções.”
Sonho de ser engenheiro
Em Paraisópolis, Oliveira vive com a mãe, a empregada doméstica baiana Edsônia Oliveira Souza, de 46 anos, em uma casa de três cômodos: sala, que é dividida em dois quartos – um do garoto e, outro, da mãe –, cozinha e banheiro. O pai, o atendente de lanchonete José Cosme, é casado com outra mulher e tem dois filhos, um de 14 e outro de 5. Atualmente, está desempregado. Edsônia trabalha em uma casa de família no Campo Limpo há doze anos e ganha um pouco mais de um salário mínimo por mês. Complementa a renda com a pensão que recebe do pai de Oliveira, de 200 reais. “Não pagamos aluguel, mas tenho de arcar com todas as outras despesas da casa, o que nem sempre é fácil”, explica ela.
Oliveira entra na escola, a 20 minutos a pé de sua casa, às 7 da manhã. Almoça ali mesmo e volta para casa ao meio-dia. Como a mãe trabalha o dia inteiro – sai de casa às 8 da manhã e só volta às 8 da noite, de segunda a sexta –, o garoto tem de se virar sozinho. Faz um lanche à tarde com o que tem na geladeira, esquenta a janta (a mãe deixa pronta), lava a louça e arruma a casa, diariamente.
Dois dias da semana são dedicados às aulas de robótica, que acontecem na escola, à tarde. Foi por causa delas, aliás, que Oliveira ficou sabendo do concurso da Nasa e se inscreveu. Ele diz que gosta muito de eletrônicos e de criar protótipos, mas seu sonho, mesmo, é ser engenheiro civil. “Quando eu tinha uns 8 anos, juntava caixas de leite, usava cola quente e montava edifícios, casas e ruas. Construía grandes cidades”, relembra dele. “Minha mãe não gostava porque dizia que fazia muita bagunça, mas acabava deixando”, diz o garoto. “Meu filho sempre foi muito criativo e esforçado. Se está recebendo tudo isso, é porque fez por merecer”, elogia Edsônia.
Nas horas vagas, o jovem pratica futebol com os vizinhos na viela em que mora ou fica jogando no computador que sua mãe ganhou do patrão. Também assiste a vídeos no YouTube. “Curto muito os vlogs, principalmente o Neagle e Edu Coffee”, comenta. O equipamento, no entanto, quebrou há dois meses. “Queria comprar outro nos Estados Unidos, mas não sei se o dinheiro vai dar.” Após o resultado do concurso, o garoto e a mãe passaram a fazer bolos, doces e tortas para vender na escola, a fim de arrecadar fundos. “A comida e a passagem serão pagas pela prefeitura, mas queria juntar dinheiro para meu filho comprar as coisinhas dele lá”, explica Edsônia. Com a venda dos quitutes, mais a doação de professores e do patrão da mãe, os dois obtiveram, no final, 800 reais.
O estudante nunca saiu do país. O lugar mais longe que já esteve até hoje foi Sergipe, para visitar parentes. Com essa transformação repentina em sua vida, ele já arrisca ter planos maiores para o futuro. “Ainda quero ser engenheiro e ganhar dinheiro para ajudar minha mãe. Mas agora, quem sabe, um dia consiga ir ao espaço”, almeja.