A psicóloga Claudia Vidigal costuma dizer que teve uma vida sem muitas dificuldades. Nascida em uma família de classe média alta, passava as férias no exterior. Logo após se formar na PUC, em 1998, ganhou de seus pais um consultório na Vila Madalena para atender os primeiros pacientes. Mas as horas que passava ao lado do divã ouvindo os dramas de senhoras sexagenárias e maridos relapsos não eram suficientes para satisfazer seus anseios em relação à profissão.
Assim, em 2000 abriu horários na agenda para dar consulta a órfãos de abrigos infantis da prefeitura na capital. Recebeu menores que cresceram na rua, adolescentes grávidas e até pacientes com casos mais graves, como testemunhas de assassinatos. A experiência levou à criação, em 2005, do Instituto Fazendo História, com a proposta de resgatar as memórias e registrar o dia a dia de crianças afastadas da família.
“Um adulto adotado ainda bebê vive com o fantasma da infância sem recordação”, diz Claudia. Com um orçamento de 2 milhões de reais por ano, a entidade conta com vinte psicólogos na sede do Alto de Pinheiros e 600 voluntários que atuam em cinquenta abrigos. Já foram coletadas as histórias de mais de 3 mil crianças, devidamente eternizadas em diários repletos de fotografias, colagens e anotações.
As conversas semanais servem para ajudar os jovens a entender um passado, por vezes, obscuro. Como o de uma menor que chegou a um abrigo com pouco mais de 1 ano de idade, no fim dos anos 90, após seu pai assassinar sua mãe. Crescer com essa informação dificultou a socialização da criança. Aos 11 anos, por intermédio de Claudia, ela teve contato com antigos amigos e vizinhos, que lhe contaram aspectos da personalidade do pai.
“Conhecer mais detalhes da família ajudou em seu desenvolvimento”, explica a psicóloga. “Toda criança tem direito a uma história.” O instituto também trabalha para melhorar as relações dentro dos abrigos, criando grupos com laços de afinidade, além de auxiliar os mais velhos, que deixam as instituições, a procurar emprego.