Um amigo me procura para saber se conheço quem tenha filhotes de cachorro para doar. No tempo em que trabalhávamos juntos, eu morava num sobrado, tinha cachorros, doei filhotes, trocava figurinhas com cachorreiros, sabia de ninhadas. Depois que fui morar em apartamento, desisti. Levar o cão para “passear”, ficar com aquela obrigação inadiável interferindo nos afazeres, aquele saquinho de plástico na mão para… nem pensar.
O amigo conta que comprou um sítio, precisa de dois ou três cachorros e não está a fim de gastar. Ficamos assim: eu ligaria para uns conhecidos, pesquisaria sites de doação na internet, recomendados por eles, e o informaria se achasse o que procura, um pastor e um ou dois vira-latas, machos. Nave-gando em busca de filhotes, encontrei dramas, um mundo de generosidades e desumanidades.
Uma mulher doa uma mestiça de perdigueiro “carente e carinhosa”. Relata o detalhe cruel: “Foi espancada e queimada com óleo”. O anúncio não dá detalhes. Por que a maldade? Como foi salva do torturador? Feliz-mente: “Agora ela está recuperada e pronta para um novo lar”. Se o meu amigo aceitasse fêmea, recomendaria essa. Perdigueiros e sítios têm tudo a ver.
Encontro um título animador e mais uma história: “Pas-tor-alemão procura um lar”. Na primeira linha, um possível empecilho: “Tem dois anos e meio, no máximo”. Meu amigo quer filhote. “Foi resgatado com uma bicheira enorme nas costas, sofrendo muito. Mas agora está cuidado, sarado, pronto para ser adotado. É brincalhão, sociável e gosta de crianças.” Por que abandonar doente, à própria sorte, um animal assim? Teria se extraviado e pegado a bicheira depois? Detalhes: “Estava em um estado de calamidade. Escondeu-se em um pequeno jardim, pois os cães, não conseguindo se livrar do sofrimento, se recolhem para morrer”. Um “bondoso senhor” tratou dele, diz o anúncio, e agora o cão “fica dentro de uma piscina vazia, pois quem o resgatou não tem onde colocá-lo”. Não é filhote, mas… Anotei.
Alguns dos apelos vêm na primeira pessoa, debaixo de uma foto: “Fui jogada no Túnel Rebouças para a morte, mas um casal me salvou”. Por que a crueldade? Se a pessoa não queria a cadelinha, por que não a doou? Jogar no túnel, no meio dos carros! Quem a resgatou não pode cuidar. “Foi tudo muito difícil e triste para mim, preciso de um lar que me faça esquecer tudo o que sofri.” Lindinha, mas fêmea.
Nos sites se vê quanta gente usa bichos indefesos para descarregar o sadismo. É o caso de uma cadelinha abandonada no pátio de um supermercado na Mar-ginal Tietê: “A senhora que cuida de mim não pode me adotar porque mora num apartamento de 60 metros, onde já tem dois cachorrinhos, mas vai todos os dias me visitar. Outro dia sabe o que o pessoal que mora na favela ao lado fez? Eles colocaram cigarro aceso na minha vagina, sofri muito com a dor. Por favor, arrumem um lar para mim”.
Dramas, apelos e histórias se sucedem. Billy foi atropelado, ficou na beira da rua sem socorro até que duas senhoras o recolheram e trataram dele, mesmo sem ter onde colocá-lo, e agora ele está lá na garagem, recuperado, à espera de um dono; um filhote de poodle preto não pode ficar na casa porque a irmãzinha da dona desenvolveu forte alergia a pelo de animais, “seu olho fica bem inchado e vermelho”; uma cachorrinha SRD (sigla de “sem raça determinada”, termo politicamente correto que usam para vira-lata) foi resgatada da rua e está sendo doada porque tentou matar a outra cachorrinha da casa “diversas vezes”; a dona de uma floricultura recolheu na beira da estrada uma cachorrinha atropelada, em estado gravíssimo, tratou dela, salvou-a, mas ela ficou paralítica das patas traseiras, adaptou nela a metade de um carrinho de brinquedo e ela roda por lá bem satisfeita, tão satisfeita que teve dois filhotes. Liguei, já haviam sido doados.
A solução surgiu afinal: “Uma cadelinha deu cria aqui na minha rua tem apenas vinte dias, dois já morreram, sobraram três machinhos, estão tomando chuva, sol, passando frio…” Meu amigo fechou com os três e o pastor.