Domingo era o único dia de folga da semana para Douglas Martins Rodrigues, de 17 anos. De segunda a sexta-feira, ele costumava sair às 5 da manhã de sua casa, no Jardim Brasil, na Zona Norte, para trabalhar como ajudante de uma lanchonete no bairro de Pinheiros. Dormia um pouco no fim da tarde e, à noite, ia para a escola. Aos sábados, entregava pizza para ganhar um dinheiro extra. No último dia 27, ele resolveu descansar na casa do pai. Acordou, tomou café da manhã, lavou o carro (um Gol 1993) e, no início da tarde, saiu para procurar um chaveiro junto com seu irmão de 12 anos. Na Rua Bacurizinho, encontraram um conhecido em frente a um bar e pararam para conversar. A tranquilidade acabou quando uma viatura passou no local. Ela havia sido acionada para averiguar uma reclamação de que um carro com som alto estaria perturbando o sossego por ali.
Às 14h17, um disparo da pistola do policial militar Luciano Pinheiro Bispo atingiu o tórax de Douglas. O garoto levantou as mãos e perguntou pouco antes de morrer: “Por que o senhor fez isso?”. Em seu depoimento na delegacia, Bispo afirmou que o tiro foi provocado por acidente. Segundo ele, que até a tarde da última quinta (31) estava detido no Presídio Militar Romão Gomes, a porta da viatura teria batido no seu braço quando estava saindo do veículo e o gatilho acabou sendo acionado sem querer. “Mas como ele aponta uma arma na direção de uma criança?”, pergunta o pai do adolescente, José Rodrigues.
A morte deu início a uma série de protestos na Zona Norte, seguidos de desordens e vandalismo. Durante as manifestações, lojas e bancos foram depredados e ônibus e carros, queimados. Devido aos distúrbios, a Rodovia Fernão Dias registrou um congestionamento de 8 quilômetros na noite da última segunda (28). O clima de revolta aumentou com a notícia da morte de outro rapaz na terça por um policial militar no Parque Novo Mundo, também na Zona Norte. A vítima foi Jean Nascimento, de 17 anos. O soldado responsável pelo disparo afirmou ter agido em resposta a uma tentativa de assalto feita pelo rapaz.
Mesmo sofrendo com a perda, a família de Douglas reprova o vandalismo e prepara junto com amigos uma passeata pacífica para este sábado (2) no caminho entre a casa do jovem e a Igreja Nossa Senhora Aparecida, no Parque Edu Chaves, onde acontecerá a missa de sétimo dia. O estudante passou a vida toda no Jardim Brasil. Filho de uma costureira e de um motorista, costumava jogar futebol com as outras crianças do bairro. Parou porque desenvolveu uma forte bronquite, que o obrigou a fazer inalações diárias até o fim da vida. Gostava também de soltar pipa, ouvir música e assistir aos jogos do Corinthians. “Enterrei o corpo todo perfumado porque era assim que ele andava sempre”, conta a mãe, Rossana de Souza.
Aos 14 anos, Douglas começou a ganhar algum dinheiro encerando carros. Queria fazer economia para comprar uma bicicleta. Aos 16, virou empacotador de supermercado e foi promovido a caixa. Os antigos colegas de trabalho lembram-se dele como um rapaz bem-humorado. Deixou o emprego há pouco mais de um mês, em um corte de pessoal, e foi trabalhar na lanchonete de Pinheiros. Estava no 3° ano do ensino médio, já havia feito um curso técnico de administração e queria estudar recursos humanos depois de formado. “Ele sonhava ter um lava-rápido”, conta a avó, Nilce Agostini Rodrigues. Desde sua morte, o irmão que presenciou a cena fala pouco e tem se trancado no quarto. A mãe não tem conseguido comer. Abalado, o pai reuniu-se na semana passada com um advogado para mover uma ação contra o Estado. Na última quarta, foi com Rossana a uma agência da Caixa Econômica Federal para fechar a conta bancária do garoto. Não conseguiram. O posto havia sido depredado na manifestação do dia anterior.