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Cemitério de pets na Zona Sul

Dona de casa que se passava por protetora de animais é suspeita de assassinar quatro cães e 35 gatos na Vila Mariana

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 1 jun 2017, 18h20 - Publicado em 20 jan 2012, 18h31
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  • Na base da propaganda boca a boca, a dona de casa Dalva Lina da Silva, de 42 anos, tornou-se conhecida na cidade como uma atuante protetora de animais. Sua casa de quatro andares, localizada na tranquila e arborizada Rua Mantiqueira, na Vila Mariana, era um ponto muito procurado por pessoas que desejavam doar gatos e cachorros. Várias vezes, ela mesma percorria locais como o Parque da Aclimação, recolhendo ninhadas de bichos abandonados para ser tratados. Nos últimos dias, porém, surgiram fortes indícios de que o endereço na Zona Sul, na verdade, funcionava como um cemitério de pets. Boa parte só saía dali morta.

    A acusada por essa linha de extermínio seria justamente aquela que cultivava uma imagem de abnegada defensora do bem-estar dos peludos indefesos. Na noite do dia 12, depois de uma denúncia, a polícia realizou uma batida e achou nas imediações do lugar quatro sacos com os corpos de 35 gatos e quatro cachorros enrolados individualmente em jornais e panos. No interior da residência, foram encontrados vivos uma cadela e oito gatos, além de uma série de gaiolas, caixas de areia, potes de ração e remédios de uso veterinário. O caso foi registrado no Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania, no centro, que cuida agora da investigação. Já foram ouvidas onze pessoas. O depoimento de Dalva deve ocorrer nesta segunda (23). “É nossa principal suspeita”, afirma o delegado José Celso Damasceno Junior. 

    A história veio à tona depois que seis protetores independentes de animais, desconfiando das reais intenções de Dalva, contrataram um detetive particular, que acompanhou sua movimentação durante vinte dias. O profissional encarregado da missão, Edson Criado, ficou impressionado com o que viu durante a campana. “Calculo que tenham passado pelo portão nesse período uns 300 animais”, afirma. “Não vi nenhum deles sair.” No começo da noite do dia 12, ele observou e fotografou a dona da casa colocando os quatro sacos de lixo na calçada do vizinho. Depois de um tempo, resolveu checar o conteúdo e acionou imediatamente a polícia. “No meio dos cadáveres havia uma cadela prenhe com uma gravatinha rosa no pescoço, que fora entregue por um senhor a Dalva no dia anterior”, afirma Criado.

    A suspeita foi levada para a delegacia, onde prestou um depoimento rápido para o boletim de ocorrência e acabou liberada. No sábado (14), depois da repercussão do caso, cerca de 100 pessoas, indignadas, se reuniram na frente do portão de Dalva, que foi arrombado e pichado com palavras como “assassina” e “justiça”. Uma análise realizada em metade dos corpos revelou que os bichos estavam com o estômago vazio, indício de que não eram alimentados havia muito tempo, e morreram após injeções no coração de cloreto de potássio e dos anestésicos Xilazin e Dopalen, substâncias encontradas junto com seringas na residência da Rua Mantiqueira. As drogas provocaram morte por hemorragia. “Nunca vi nada parecido em termos de crueldade contra animais na cidade”, diz Susan Yamamoto, da ONG Adote um Gatinho, entidade que ficou responsável pela guarda dos animais encontrados vivos na residência. 

    Advogado Lopes - 2253
    Advogado Lopes – 2253 ()
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    Na tarde da última terça (17), Dalva falou pela primeira vez sobre o caso, com exclusividade para VEJA SÃO PAULO. A entrevista foi concedida no escritório de seu advogado, Martim Lopes, no bairro do Ipiranga. Ela chegou ao local com os cabelos escuros presos e vestindo um casaco de moletom. Assustada com as ameaças da vizinhança, disse que estava dormindo na casa de uma amiga e se defendeu, alegando que sua intenção era cuidar dos animais. “Recebo pets doentes há um ano e só sacrifiquei aqueles que não consegui recuperar”, afirmou. “Quando via que estavam sofrendo demais, aplicava uma injeção de anestésico no coração. Eles morriam depois de dez segundos. Aprendi a fazer isso com um amigo veterinário.”

    + Leia entrevista com Dalva Lina da Silva

    + Profissão: detetive de animais

    Do total de 39 corpos encontrados perto de sua casa, ela assumiu a execução de seis bichos. Dalva, contudo, não sabe explicar a origem do restante dos cadáveres. Para tentar esclarecer o enigma, arrisca uma versão um tanto quanto rocambolesca. “No fim do ano passado, briguei com uma protetora de animais, que prometeu se vingar”, conta. “Desconfio que foi ela quem colocou isso lá, para me prejudicar. Se alguém fez essas malvadezas das quais estou sendo acusada, deveria ir para a cadeia.”

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    A fragilidade da explicação é o testemunho do detetive Criado, que registrou o flagrante de Dalva colocando os sacos de lixo na calçada. Apesar das evidências, ela promete apresentar à polícia testemunhas que a inocentem. “Minha cliente não tem culpa e queria apenas ajudar”, afirma o advogado Martim Lopes. “Ela não sabia que sacrificar os seis animais era um crime.” A ocorrência, de menor potencial ofensivo, se enquadra no artigo 32 da lei de crimes ambientais, que trata de “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. No caso de morte, o tempo de punição pode ser aumentado em até um terço. Diz o delegado Damasceno Junior: “A pena prevista é de três meses a um ano e quatro meses, independentemente do número de bichos que ela tenha matado. Mas a legislação é muito branda e raramente manda alguém para a cadeia. Quando é condenado, pode trocar a pena por doações de cestas básicas ou serviços à comunidade”.  

    Assassinato dos pets - Dalva - 2253
    Assassinato dos pets – Dalva – 2253 ()

    Já surgiram alguns testemunhos sugerindo que Dalva matou muito mais que seis pets. Uma pessoa depôs na delegacia e afirmou que a conhece desde 1998. Achando que estava colaborando, ela se juntava a Dalva para recolher animais sem dono à noite. Até hoje, calcula ter “resgatado” mais de 1.000 bichos. A bibliotecária Glice Aparecida Batista ajudou, em 2007, uma senhora a doar uma gatinha grávida a Dalva. “Ela tinha uma sala cheia de animais em gaiola, logo quis nos dispensar”, conta. “No outro dia, receosa com o que havia se passado, resolvi que pegaria a gata de volta, mas a Dalva disse que já a tinha levado para um sítio no interior.

    Uma tarde, algum tempo depois, fui caminhar no Parque da Aclimação e a encontrei procurando mais felinos para levar para casa. Ela nem se lembrava de mim e ainda disse que, se tivesse alguma ninhada, poderia dar para ela cuidar.” Alguns vizinhos da casa da Vila Mariana afirmaram que Dalva era discreta, apesar de alardear brigas familiares durante a madrugada e contar com um vaivém estranho de carros em seu portão. Um deles, que não quis se identificar, disse que Dalva sempre aparecia “arrastando” sacos grandes de lixo para a calçada um pouco antes do horário de o caminhão da coleta passar.

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    Protesto - Assassinato pets - 2253
    Protesto – Assassinato pets – 2253 ()

    Nascida em Quinta do Sol, no Paraná, Dalva mora na casa de quatro andares e 400 metros quadrados deixada de herança pelo marido, médico, que morreu de leucemia em 2003, aos 73 anos. Ela passou a receber duas pensões, com as quais se sustenta. Com ele, teve uma filha, Alice, hoje com 21 anos, estudante e fã de revistas em quadrinhos japonesas. Em 2004, Dalva começou a namorar o professor de capoeira Anderson Alves, com quem teve a segunda filha, Yasmin, de 5 anos. Ambas moram com a mãe, que também alugava um quarto contíguo para duas inquilinas. “Acredito na inocência dela, nos separamos exatamente porque eu achava que ela amava mais os animais do que a mim”, diz Alves. Em seu tempo livre, Dalva costuma fazer crochê, contar histórias à filha e, antigamente, até se arriscava a compor músicas de MPB e cantigas infantis.

    A reportagem de VEJA SÃO PAULO teve acesso à sua casa no último dia 18. O local estava bastante bagunçado, com gaiolas, caixas de areia, telas de proteção, carteirinhas de vacinação, caminhas, arranhadores, remédios e potes de ração para todo lado. Na decoração, destacavam-se quadros com motivos religiosos e um porta-retratos com uma foto de quatro filhotes de gato. Nas investigações, a polícia trabalha com algumas teses para chegar à motivação dos crimes. Inicialmente, cogitou-se a hipótese de comércio ilegal de sangue para bancos clandestinos. O delegado Damasceno Junior, no entanto, descartou a possibilidade, pois na residência da Vila Mariana não havia o aparato necessário para estoque ou refrigeração desse tipo de material. 

    Pichação - Assassinato dos pets - 2253
    Pichação – Assassinato dos pets – 2253 ()
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    Em seguida, também entrou em discussão o sacrifício para rituais de magia negra — um gato preto encontrado no lixo tinha a boca repleta de farofa — ou pesquisas científicas. “A pessoa que fez isso devia ter algum retorno financeiro com essas mortes”, acredita Damasceno. “Talvez acumulasse dinheiro de doações de quem deixava os animais lá.” Ele cita ainda uma última, e mais perturbadora, possibilidade. “Tudo pode ter ocorrido por sadismo”, afirma.

    Neste domingo (22), às 10 horas, o vão do Masp recebe uma passeata contra a crueldade animal e a favor do endurecimento das leis para os que cometem esse tipo de ato. Na capital, a quantidade de denúncias telefônicas para o número 181 relativas a casos dessa espécie saltou de 771, em 2009, para 1.060, em 2011. Depois do chocante episódio da Zona Sul, os defensores dos animais estão mais mobilizados do que nunca.

    POR DENTRO DA CASA

    Os materiais encontrados pela polícia dentro da residência na Zona Sul

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    Assassinato dos pets - 2253
    Assassinato dos pets – 2253 ()

     

    Assassinato dos pets - 2253
    Assassinato dos pets – 2253 ()

     

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