Antes da onda de os blogs de moda de rua clicarem o cotidiano das mulheres mais bem vestidas de Londres à Cidade do Cabo, de São Paulo a Pequim, fotógrafos registravam o vaivém das chiques de cada época. Numa das imagens do cotidiano londrino da pré-II Guerra, uma mulher está parada diante de uma vitrine, metida numa estola de raposa, com direito a patinhas e focinho, e com um guepardo de estimação. A cena resumia os valores dos endinheirados de então: pele, presa à coleira ou sobre o corpo, equivalia a status.
O hábito remete aos tempos medievais. Monarcas ostentavam mantos de veludo vermelho com bordas de arminho branco — um bichinho similar ao furão, mais tarde matéria-prima favorita dos casacões do rei francês Luís XIV. Os tempos, no entanto, mudaram. Arminhos, zibelinas, visons — as peles mais caras do mercado — competem com exemplares sintéticos que saem de fábricas na França e na China.
Não foi por pressão de entidades protetoras dos animais que o pelo animal perdeu terreno para as imitações — ainda que, claro, isso tenha feito a diferença. O crédito maior, porém, recai sobre o estilista Karl Lagerfeld. No desfile de inverno 2010 da Chanel, as modelos exibiram casacões, botas e acessórios peludos. Aí, se a maison tradicional pode, o mundo todo também pode. Desde então, versões fakes de vison e afins ganharam espaço em outras etiquetas nobres, caso das linhas do conglomerado Armani (à exceção da Giorgio) e das cobiçadas peças da grife Miu Miu.
No Brasil, a Huis Clos apostou no material, comprado de produtores da Ásia, na São Paulo Fashion Week de inverno 2011. “Cor e leveza do pelo garantem que a peça pareça verdadeira”, diz a estilista da marca, Sara Kawasaki. Uma história contada por Clô Orozco, proprietária da grife, indica que Sara tem razão. “O fiscal da alfândega queria que eu apresentasse certificados de procedência que só se pedem para produtos de origem animal”, afirma ela. “Precisei convencê-lo de que era sintético.”
A matéria-prima que encantou Lagerfeld vem da francesa Tissavel, em Neuville-en-Ferrain. Fibras de acrílico de formatos variados (arredondado, achatado…) são misturadas de acordo com a espécie copiada. “Para a raposa da Virgínia, usamos seis tipos em proporções predefinidas”, explica o diretor da empresa, Hervé Vuylsteker. Peles falsas “made in France” custam entre 40 e 230 reais o metro. Na China, saem por apenas 18 reais o metro. Segundo Vuylsteker, a principal diferença entre elas é o tecido de base em que são presas as fibras: na China, utiliza-se malha de tricô; na França, trama de tecelagem. “Os pelos não se soltam nem se deformam e a distribuição dos tufos fica mais homogênea.”
Para diferenciar uma pele de mentirinha de uma legítima, só mesmo com a prova de fogo. Literalmente. Em contato com a chama, os pelos animais se queimam. As fibras sintéticas derretem. Resta ter a coragem de submeter um casaco de vison ao teste do fósforo e correr o risco de transformar 23.000 reais em fumaça. “Falsa ou verdadeira, não importa. O que conta é ser benfeita”, defende Gianni Nembrini, consultor que já trabalhou com Dior, Jean Paul Gaultier e Valentino Garavani.