Desde que foi eleita presidente da OAB-SP, no último dia 25, Patricia Vanzolini, 49, tem recebido uma enxurrada de mensagens de políticos, personalidades e juristas. “Parabéns pela vitória, um fato inédito (será a primeira mulher no cargo) que saúdo com muito entusiasmo. Vamos agendar um encontro no Palácio dos Bandeirantes”, enviou pelo WhatsApp o governador João Doria (PSDB), na tarde de domingo (28).
A lista das saudações tem desde figurões dos tribunais como Mário Sarrubbo, procurador-geral de Justiça no estado, até a família Buarque de Holanda, próxima do também ilustre clã de Patricia (Sérgio Buarque, o historiador e sociólogo, era amigo do avô da advogada, o zoólogo e gênio do samba Paulo Vanzolini). Um personagem de quem se esperaria tal cordialidade, porém, não a cumprimentou: Felipe Santa Cruz, presidente da OAB nacional.
A distância entre Patricia e Santa Cruz tem pouco a ver com posicionamentos político-ideológicos. Está ligada, na verdade, aos meandros das eleições da categoria. Santa Cruz se notabilizou como um crítico enérgico do governo de Jair Bolsonaro (PL). Patricia, no mesmo diapasão, se identifica com pautas progressistas. Ele, no entanto, resolveu apoiar outra chapa na eleição da OAB-SP: a de Caio Augusto Santos, atual presidente da seccional paulista e visto como mais conservador. A explicação é a de sempre. Santos também apoia o candidato de Santa Cruz na eleição da OAB nacional, marcada para janeiro: o criminalista José Alberto Simonetti, secretário- geral da ordem.
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A vitória de Simonetti é uma aposta facílima, uma vez que será o único candidato na disputa. Nenhum outro postulante somou seis apoios estaduais, quantidade mínima para participar do pleito. “É uma fórmula ultrapassada e pouco democrática. Temos lutado por eleições diretas, o que também nos indispôs com a OAB nacional”, afirma Patricia.
A criminalista pretende pressionar a Câmara dos Deputados para acelerar a tramitação de um projeto de lei que institui o voto direto na ordem — um texto de autoria do ex-prefeito Bruno Covas, advogado formado pela USP.
Patricia também critica a suposta intenção de Santa Cruz a concorrer ao governo do Rio em 2022. “Ele foi politicamente atuante e até concordo com certos posicionamentos progressistas. Mas virou palanque eleitoral”, ela diz. Santa Cruz rebate. “Quem faz essa falsa acusação não compreende que a defesa da vida, da ciência e da saúde dos brasileiros, contra o terraplanismo governamental, não é palanque, e sim exigência ética do momento histórico”, afirma o advogado.
Formada na PUC e moradora da Vila Madalena, Patricia nasceu no Chile por circunstâncias políticas. A mãe, a psicóloga Maria Eugênia Vanzolini, mudou-se grávida para o país em 1972, durante o governo de Salvador Allende. Fugia da ditadura brasileira ao lado do marido, o psicanalista Luiz Cláudio Figueredo. Opostos ao regime, eles eram perseguidos pela repressão institucionalizada no Brasil.
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Patricia tinha 1 ano quando o general Pinochet deu o golpe de estado, em 1973. O pai dela acabou preso no Estádio Nacional, onde mais de 40 000 pessoas foram sequestradas e, em seguida, torturadas pelo Estado chileno.
Sobre a mesinha do apartamento, ela mantém livros de zoologia escritos pelo avô, Paulo. (Na foto ao lado, em primeiro plano, está a Evolução ao Nível de Espécie: Répteis da América do Sul). “Ele era apaixonado pela ciência, animava-se mais para falar de répteis que de suas músicas”, conta.
Patricia e o compositor tinham uma relação próxima — a advogada é a primeira filha da primeira filha de Paulo. Autor de sucessos como Ronda e Volta por Cima, ele formou-se doutor em zoologia em Harvard, foi um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e colaborou ativamente com o Museu de Zoologia da USP. “A casa onde viveu (no Cambuci) era cheia de cobras em formol. Ele gostava de estar entre elas, fumando cachimbo”, ela recorda.
No mundo jurídico, a pandemia também levou grandes escritórios a descobrir o home office e a eventualmente adotar de vez o formato híbrido, ou seja, alugar espaços menores e fazer um rodízio entre os associados. A categoria, além disso, sofre os efeitos da crise econômica.
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A nova presidente da OAB-SP promete uma intervenção urbana para ajudar os advogados que — por essas ou outras razões — buscam espaços para trabalhar. Quer instalar coworkings (ou escritórios compartilhados) nas quinze salas da OAB espalhadas pela cidade, em bairros como Jabaquara, Santo Amaro e no centro. “Fizemos visitas e propostas de parceria a coworkings de Pinheiros. O projeto deve acontecer no primeiro ano de mandato”, diz Leonardo Sica, 47, vice na chapa de Patricia.
“A falta de infraestrutura, de fato, é um problema para parte do mercado. A proposta faz sentido”, acredita Fábio Cesnik, sócio do escritório CQS/FV Advogados, que rompeu a locação de um andar inteiro na Avenida Paulista e vai reencaixar os 45 profissionais em um espaço menor, em compasso de rodízio. “Os coworkings serão úteis para advogados autônomos. Eles podem se juntar para atender clientes, assim como médicos de especialidades diferentes que atuam no mesmo caso”, diz Cesnik.
Fundada em 1932, a OAB-SP tem 350 000 filiados e orçamento anual próximo a 400 milhões de reais. Patricia venceu com 35,8% dos votos; Caio teve 32,8%; Dora Cavalcanti, da única chapa formada só por mulheres, terminou com 10,2%. Durante a campanha, Patricia evitou as querelas da política nacional. Defendeu a ideia de que a OAB-SP permanecesse em “estado de neutralidade”, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Entre os compromissos assumidos, promete aumentar a participação de mulheres, negros, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência nos colegiados e comissões da ordem. A Vanzolini que nasceu precisando fugir de ditaduras estará à frente de uma instituição importante na defesa da democracia. Volta por cima, como no samba.
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Publicado em VEJA São Paulo de 08 de dezembro de 2021, edição nº 2767