Nascido na Argentina, Jorge Perez, 72, virou um gigante imobiliário nos Estados Unidos após fundar o Related Group, uma incorporadora cujas vendas ultrapassam 50 bilhões de dólares — daí a alcunha de “Rei dos condomínios”. Um ex-amigo declarado de Donald Trump, o empresário é sócio do maior residencial de alto padrão em construção em São Paulo, o Parque Global, na Marginal Pinheiros, empreitada de tamanho comparável ao do Jardim das Perdizes, na Zona Oeste.
Lançado em 2013, o projeto passou cinco anos embargado na Justiça por questões ambientais e urbanísticas. Venceu e voltou às obras no fim de 2020. O bairro-condomínio — cujos espigões de 47 andares estarão entre os mais altos da cidade — ajudou nas doações de 30 milhões que viabilizaram o Parque Linear Bruno Covas (em frente) e promete criar passarela sobre o rio naquele trecho, conectada ao entorno do Shopping Morumbi.
O senhor voltou a São Paulo (no fim de outubro) para comprar novos terrenos para projetos na cidade?
Somos provavelmente o maior desenvolvedor privado de condomínios dos Estados Unidos. Quando decidimos replicar o modelo no exterior, escolhemos três países: México, Argentina e Brasil, que era o nosso maior investimento. De lá para cá, o país teve anos difíceis na política e na economia, e o Parque Global se envolveu em um processo judicial como eu nunca tinha visto. Enquanto esteve parado, fizemos três torres na Argentina e oito no México. Então, por um bom tempo, o Brasil deixou de estar no nosso radar.
Chegou a querer desistir do negócio durante a briga judicial?
Houve tempos sombrios… O que aconteceu aqui nunca tinha ocorrido na história da empresa. Era um terreno sem valor para a cidade, um aterro (que continha lodo do Rio Pinheiros). No processo, a parte contrária mostrou fotos que não eram nem do local. Dissemos que eram de um lugar diferente, mas a Justiça embargou a obra mesmo assim. Já tive projetos barrados antes de a construção começar, mas aqui aconteceu após o início das obras, quando já tínhamos investido milhões para conseguir as autorizações ambientais. Sim, em alguns momentos foi difícil aceitar isso e continuar no negócio.
Por que continuou?
Porque é uma das melhores áreas de São Paulo. E porque tínhamos razão. Mas, se não tivéssemos milhões de dólares para gastar em processos, não teríamos nada disso (o Parque Global). E, quando começamos, 1 dólar custava 2,20 reais. Agora, está acima de 5. A desvalorização foi terrível para nós. Na Argentina, não tem esse problema, porque você vende em dólares. Aqui, investe em dólares e vende em reais.
Mas o dólar alto é bom para estrangeiros comprarem terrenos. É o caso do senhor?
Não sei nem se o dólar está realmente alto… Lembro que quando chegou a 2,70 reais os brasileiros me diziam que estava alto demais, que voltaria para 1,70 (risos). Quando especialistas lhe dizem algo, você tem de desconfiar… Mas está comprando em São Paulo? Sim. A longo prazo, estamos confortáveis com o Brasil. Estamos, de novo, tentando investir. Primeiro em São Paulo, depois em outras áreas. São Paulo ainda tem bons terrenos, estou visitando dezenas deles.
O senhor tem investimentos no mundo todo. São Paulo está barata?
Sim. O Parque Global, por exemplo, fica em um bairro de classe média alta e tem alto padrão. Estamos vendendo por 17 000 reais o metro quadrado. Algo similar em Miami seria três vezes o preço. Nossos projetos no México ou em Buenos Aires estão quase duas vezes o valor, ainda que o salário não seja mais alto por lá. Mesmo se você olhar Indonésia, China ou Coreia, o Brasil está barato. Para projetos de luxo, São Paulo é uma barganha. Por isso estamos interessados novamente: o potencial é enorme.
O Morumbi tem problemas de trânsito e pouca integração urbana. Por que apostar na região?
Veja o que estamos fazendo aqui. Nossa empresa é reconhecida por construir comunidades. Cidades como Tampa, Jacksonville e Palm Beach nos deram áreas enormes para construirmos bairros que funcionem. Estamos colocando dinheiro no parque (Bruno Covas, em frente) e vamos fazer passarelas para pedestres e bicicletas para o outro lado do rio, onde estão os shoppings (Morumbi e Market Place) e os escritórios.
Há ainda problemas de segurança.
Ninguém gosta de lugares cheios de policiais e muros. As duas coisas fundamentais para a segurança são câmeras e circulação de pessoas. É o que faz o crime despencar. Não teremos muro ao redor do condomínio, só paisagismo. E vamos investir em integrações para pedestres e bikes circularem.
“Eu era um dos melhores amigos de Donald Trump. Hoje, sou orgulhosamente um dos piores”
Você cita integrações com a outra margem, mas “as costas” do empreendimento estão próximas de Paraisópolis. Haverá impactos na comunidade também?
Claro. O transporte (o monotrilho Linha 17 terá estações no condomínio e em Paraisópolis) é público, o parque (Bruno Covas) será público… Quanto mais parques perto das favelas, mais todos têm chances de curtir um lugar aberto, como as pessoas usam a praia no Rio de Janeiro. Além disso, temos cerca de 1 000 empregados na obra.
O senhor fez projetos com a marca do ex-presidente Donald Trump. Em 2020, doou à campanha de Joe Biden. Por que rompeu com Trump?
Éramos melhores amigos, agora sou orgulhosamente um dos “piores amigos” de Trump. Discordamos em questões de imigração, meio ambiente, pandemia de Covid-19, políticas de saúde… Eu disse tudo isso a ele. Trump me ofereceu cargos importantes no governo, mas acontece que a gente pensa diferente — e eu disse a ele.
O senhor nasceu na Argentina e imigrou para os Estados Unidos, que vive a pior crise migratória em décadas — inclusive com muitos brasileiros tentando entrar no país. Como vê a questão?
Países como o Brasil e os Estados Unidos só conseguiram ser o que são por causa dos imigrantes. Parar a imigração é errado. Sou totalmente contra o muro com o México. Entendo a necessidade de regulação, não se pode deixar todo mundo entrar no país, claro. Mas acredito na imigração. Hoje, o problema está realmente sério. O abismo entre pobres e ricos, em vez de diminuir, ficou maior nos últimos tempos. Acho que somente mais igualdade ao redor do mundo poderá ajudar nessa questão.
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Publicado em VEJA São Paulo 17 de novembro de 2021, edição nº 2764