Prazeres e desafios de ser pai após os 40
Cada vez mais paulistanos voltam a ter filhos na maturidade, em um novo relacionamento
Em 8 de abril de 1963, John Lennon viajava pela Inglaterra em turnê e não acompanhou o parto em Liverpool de seu primeiro herdeiro, Julian. Aos 22 anos de idade e prestes a ser tragado pelo furacão da beatlemania, não podia estar menos interessado em uma vida caseira. O bebê e a mãe, Cynthia, chegaram a ser escondidos do público por alguns meses para não frustrar as fãs do quarteto inglês. Após a separação do casal, cinco anos depois, Lennon passou a encontrar o menino em raras ocasiões.
Em 1975, tornou-se pai pela segunda vez, de Sean, fruto do relacionamento com Yoko Ono. Mais maduro e sem os compromissos de sua antiga banda, ele resolveu encarar — e curtir — as delícias da vida doméstica, assunto que virou tema de seu último álbum, “Double Fantasy” (fantasia a dois, numa tradução livre), lançado três semanas antes de sua morte, em 1980. No disco, a tocante “Beautiful Boy”, versão de Lennon para uma canção de ninar, é dedicada ao caçula (“Feche os olhos, não tenha medo, o monstro foi embora, fugiu e o papai está aqui”). Bem diferente do tom de “Hey Jude”, clássico do repertório dos Beatles, feita para consolar seu primogênito (“Não fique mal, escolha uma música triste e fique melhor”). Essa, aliás, foi escrita por Paul McCartney.
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Ter filhos com uma nova companheira é uma realidade cada vez mais comum na vida de muitos paulistanos que comemoram neste domingo (12) o Dia dos Pais. O fenômeno poderia ser batizado como “síndrome de John Lennon”, tamanha a semelhança do roteiro. Após criarem as crianças do primeiro casamento durante um período marcado pela busca de sucesso profissional e pouco tempo de dedicação familiar, eles voltam a experimentar a paternidade em torno dos 40, 50 e, em alguns casos, até 60 anos de idade, geralmente em novo relacionamento, com mais maturidade e estabilidade financeira. O pedágio da experiência é cobrado na forma de um “déjà-vu” de fraldas, mamadeiras, matinês em teatros infantis e a necessária atualização sobre as novidades que rolam em canais como o Discovery Kids, entre outras coisas.
O caso exige também uma complicadíssima acrobacia doméstica, para equilibrar os interesses, expectativas e necessidades dos garotos mais velhos com os do caçula, da mãe-madrasta e da ex. Mas, é quase unanimidade entre a turma, o preço é uma pechincha comparado às delícias dessa oportunidade. É uma nova chance para, talvez, se redimir dos erros e omissões do passado. E (por que não?) curtir de verdade uma experiência única e gratificante. “Comecei a aprender a ser pai com o Tomás”, conta o advogado Claudio Oliva, de 48 anos. Antes do garoto, nascido em 2005, ele já tinha Bruna e Amanda, do primeiro casamento. O bebê perdeu rápido a condição de caçula com a chegada de Felipe e Rafaela, hoje com 6 e 2 anos, respectivamente. Valeu a pena? “Adoro beijá-los e abraçá-los. Somos muito felizes”, festeja o advogado.
A segunda chance de paternidade se tornou comum na última década por uma série de fatores. O mais óbvio, a escalada dos divórcios. Entre 2007 e 2011, o número anual registrado nos cartórios da cidade saltou de 2.712 para 6.400, um aumento de 136%. A questão é que eles não permanecem sozinhos. Segundo o IBGE, 5.774 homens separados com mais de 40 anos de idade voltaram a se casar na Grande São Paulo em 2003. Em 2010 foram 9.335 casos, 62% a mais.
Esses novos enlaces ocorrem, em geral, com mulheres mais novas. “Pesquisas mostram que o homem costuma ser três anos mais velho que a parceira no primeiro casamento. Já no segundo, a diferença de idade é de nove anos, em média”, diz o psicólogo Ailton Amélio da Silva, especialista em relacionamentos. “A situação preponderante é a segunda mulher não ter filho e querer um”, completa. Essa impressão é compartilhada por profissionais da saúde. “Em 25 anos de carreira, nunca vi um sujeito que se casou pela segunda vez escolher uma parceira mais velha que ele”, diz o médico José Gonçalves Franco Junior, presidente da Comissão Nacional Especializada em Reprodução Humana da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.
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Outro indício desse crescimento pode ser detectado nas clínicas de reprodução. Mesmo já tendo filhos, às vezes é necessário recorrer a uma ajuda. “O homem começa a perder o vigor físico após os 45 anos”, diz o médico Newton Busso, da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo. Além disso, é crescente o número de operações para retirar a capacidade reprodutiva masculina. “Por volta de 20% dos homens que procuram tratamento estão no segundo casamento, têm mais de 50 anos e foram submetidos a vasectomia”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Adelino Amaral Silva.
Para voltar a ter filhos, existem duas técnicas mais utilizadas: reverter a cirurgia ou extrair os espermatozoides do corpo em um processo chamado de punção aspirativa percutânea do epidídimo. Em 2009, 65% dos pacientes que realizaram esse procedimento no Grupo Alfa — responsável por cerca de 10% dos tratamentos de fertilização no Brasil — tinham mais de 40 anos. Em 2010, o índice foi de 81%. A ciência não auxilia os pais tardios só com novas técnicas, mas também com motivos. Pesquisadores concordam que o risco de transmitir doenças genéticas aumenta após os 45 anos de idade, mas um estudo recente da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, destacou que ter filhos em idade avançada pode estimular a longevidade dos descendentes (veja a reportagem aqui).
A crescente maturidade paterna é evidente nas maternidades. “Hoje, aproximadamente 15% dos partos envolvem pais com mais de 40 anos de idade. Esse número não chegava a 5% há duas décadas”, calcula o obstetra Luiz Fernando Pereira Leite, da Pro-Matre — o hospital realiza mais de 10.000 partos por ano. Os pais não só ficaram mais velhos, mas também mais participativos. O Hospital São Luiz, por exemplo, contava vinte anos atrás com um “Curso para Gestantes”. Há poucos meses, a iniciativa mudou de nome: passou a se chamar “Curso Preparatório para Pais”, como forma de se adequar à maior presença masculina. “A participação dos homens cresceu muito nos últimos dez anos, acompanhando o aumento da faixa etária”, diz a coordenadora médica da maternidade do hospital, Márcia Maria da Costa. “E eles são os que fazem mais perguntas”.
É fato também que hoje os homens mais velhos estão mais bem preparados fisicamente para encarar a maratona que envolve a criação de um filho — reflexo direto do aumento da expectativa de vida no país, de 66 anos para 73, nas últimas duas décadas. Avanços da medicina, em conjunto com uma maior preocupação masculina com questões como alimentação correta, foram fundamentais para o avanço. “Há alguns anos, o ‘cinquentão’ já estava caindo aos pedaços”, diz a terapeuta Heloisa Garbuglio. Muitos, inclusive, passam a se preocupar mais com o corpo quando se veem novamente com a responsabilidade de educar uma criança.
Foi o que ocorreu com o engenheiro paulistano Ferdinando Antônio Guerra, de 52 anos. Em 2008, desde que soube da chegada de Valentina, sua filha caçula, ele pôs a saúde entre suas prioridades. Realizou um check-up completo, mudou hábitos à mesa — excluindo todo tipo de gordura do cardápio — e se matriculou em uma academia próxima a sua casa, no Morumbi. “Faço esteira, spinning e musculação”, diz. Como resultado, Guerra emagreceu 8 quilos desde 2008. “A aparência melhorou e eu ganhei disposição para acompanhar o ritmo da caçula.”
Essa situação costuma mexer (positivamente) até com a cabeça dos homens. “Eles rejuvenescem espiritualmente depois que o novo filho nasce, sentem-se produtivos outra vez”, opina a terapeuta Heloisa. “E estarão mais disponíveis para essa criança que acabou de chegar do que estiveram para as anteriores.” A prole recente ganha maior atenção por diversos fatores, incluindo um componente meramente geográfico. “A ligação do homem é sempre mais estreita com a família com a qual ele vive no momento, os outros ficarão em segundo plano”, diz a antropóloga e demógrafa Glaucia dos Santos Marcondes, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Unicamp e autora de dois estudos sobre recasamentos masculinos.
Com a mudança de paradigma causada pela disseminação da paternidade tardia, cabe a questão: há momento psicológico certo para ter filhos? “A melhor hora é aquela em que a pessoa fornece companhia e ainda possui a capacidade de se atualizar, caso contrário se torna uma decisão egoísta”, diz a psicóloga Denise Pará Diniz, coordenadora do Setor de Gerenciamento de Estresse e Qualidade de Vida da Unifesp. “O ideal é fugir dos extremos e buscar uma faixa etária intermediária, entre os 30 e 40 anos.”
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Uma percepção que não é compartilhada por quem efetivamente viveu a experiência. “Quando você tem 25 anos de idade, existe uma disputa de espaço entre suas crianças e seu trabalho. Se a coisa acontece quando a pessoa é mais velha, elas são a prioridade”, acredita o estilista Tufi Duek, de 58 anos, pai de Carina (33 anos), Sharon (30), Ava (2) e Ezra (7 meses). “Eu não percebi o crescimento das minhas primeiras filhas. Hoje minha relação com a Ava é completamente diferente, sei o nome das amiguinhas dela, levo-a ao parque para brincar, o que nunca havia feito”, completa.
O empresário Abílio Diniz, de 75 anos, vive situação semelhante. Teve quatro filhos no primeiro casamento — Ana Maria (51), João Paulo (48), Adriana (46) e Pedro Paulo (42) — e dois em um relacionamento mais recente — Rafaela (5) e Miguel (2). Um de seus prazeres no momento é desfrutar as novas experiências que entraram em sua rotina. “Outro dia, vi à noite o jogo do meu time, o São Paulo, comendo pipoca com a Rafaela, e depois a levei para dormir comigo na cama. Com os mais velhos, a relação acaba sendo mais de amizade. Não é possível ser pai de uma pessoa de 50 anos”, opina. Uma situação que, às vezes, provoca cobranças. “Já ouvi queixas, de brincadeira, de que eu dou mais atenção aos caçulas do que eles tiveram. Respondo sinceramente: ‘Não terei a oportunidade de conviver com os dois pequenos quando eles chegarem à idade de vocês. Preciso aproveitar agora’.”
NOVA GERAÇÃO
Famosos que tiveram filhos depois de mais velhos em outro relacionamento
Abílio Diniz empresário 75 anos
Caçula: Miguel, 2 anos
Fausto Silva apresentador 62 anos
Caçula: Rodrigo, 4 anos
Michel Temer político 71 anos
Caçula: Michel, 3 anos
Otávio Mesquita apresentador 53 anos
Caçula: Pietro, 3 anos
Renato Aragão humorista 76 anos
Caçula: Lívian, 13 anos
Roberto Justus empresário 57 anos
Caçula: Rafaella, 3 anos
Silvio Santos empresário 81 anos
Caçula: Renata, 26 anos
Tufi Duek estilista 58 anos
Caçula: Ezra, 7 meses