Oscar Niemeyer, nome mais importante da arquitetura no Brasil, morreu na noite de quarta (5), aos 104 anos, no Rio. Ele estava ao lado da mulher, Vera Lúcia, 67, e de sobrinhos e netos. Niemeyer esteve lúcido na parte da manhã, quando houve piora em seu quadro de infecção respiratória e ele precisou ser sedado e entubado.
Após ser velado no Palácio do Planalto, uma de suas obras, e no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura no Rio, que receberam centenas de visitantes, o corpo do arquiteto foi enterrado no cemitério São João Batista na sexta (7), em uma cerimônia na presença apenas de amigos e familiares.
O estado de saúde do arquiteto, que completaria 105 anos no próximo dia 15 de dezembro, se deteriorou em 4 de novembro, quando foi identificada a infecção respiratória. Ele foi internado no Hospital Samaritano, em Botafogo, na Zona Sul carioca, em 2 de novembro com desidratação. Na ocasião, Niemeyer foi transferido para a unidade intermediária do hospital — na qual ficam os pacientes que não precisam de suporte intensivo, mas ainda necessitam de acompanhamento especial–, e permaneceu ali lúcido e respirando sem a ajuda de aparelhos. Desde então, ele apresentou hemorragia digestiva e piora em sua função renal.
Esta foi a terceira vez que o arquiteto foi internado em 2012. Em outubro, ele ficou duas semanas no hospital pelo mesmo motivo. Já em maio, além do quadro de desidratação, ele estava com pneumonia. Em abril, Niemeyer passou 12 dias no Samaritano tratando uma infecção urinária.
Em junho deste ano, a filha única do arquiteto, Anna Maria Niemeyer, morreu aos 82 anos, em decorrência de um enfisema pulmonar. Arquiteta e designer de interiores, ela tinha duas galerias de arte no Rio e participou de vários projetos do pai.
Chamado de “o arquiteto do século” por aplicar em suas obras curvas antes impensáveis em concreto, o carioca espalhou seu traço inconfundível em construções pelo mundo, mantendo-se ativo até os últimos dias de vida.
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Relembre, abaixo, alguns fatos importantes da trajetória de Niemeyer.
1907
Nasce no dia 15 de dezembro, no bairro de Laranjeiras, no Rio, Oscar de Niemeyer Soares Filho. O pai era dono de uma tipografia. Cedo, ele descobriu-se ateu, apesar das constantes missas que assistia em casa. Quando garoto, queria ser jogador de futebol, mas não passou do juvenil do Fluminense, onde atuava como meia-direita.
1928
Se casa com Annita Baldo, então com 18 anos, filha de imigrantes italianos, com quem viveu 76 anos, até a morte dela, em 2004. Sem vislumbrar uma profissão, o jovem Niemeyer passava as noites com os amigos boêmios. Com o casamento, começou a trabalhar na tipografia do pai; o ingresso na Escola Nacional de Belas Artes viria no ano seguinte.
1929
Matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, já pensando em formar-se arquiteto. “O desenho atraía-me. Foi o desenho que me levou à Escola de Arquitetura”, contou. O histórico escolar, porém, não indicava que seria um profissional de destaque. O próprio Niemeyer classificou-se certa vez como um aluno “irregular” no ensino fundamental e médio.
1934
Durante o curso na Escola Nacional de Belas Artes, já sonhava em projetar e procurava um mestre para introduzi-lo na profissão. Foi levado a Lucio Costa, então um jovem arquiteto que mantinha um escritório com Carlos Leão. Costa aceitou o aprendiz, impulsionando a carreira do novato.
1936
Niemeyer junta-se à equipe que projetaria e construiria o marco da arquitetura moderna no país: o edifício do Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio Capanema, no Rio. Chefiado por Lucio Costa, o projeto seguiu linhas mestras do racionalismo arquitetônico de Le Corbusier, um mestre da arquitetura moderna mundial. A obra foi iniciada em 1937, mas só inaugurada em 1945.
1937
Sai do papel o primeiro projeto individual de Niemeyer: a Obra do Berço, no Rio. O arquiteto não cobrou pelo projeto, que serviu a uma instituição de caridade.
1939
Viaja para os Estados Unidos com Lucio Costa para projetar o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York. Em 1946, convidado a dar um curso na Universidade de Yale, teria seu visto de entrada recusado, devido às ligações comunistas. A permissão só viria no ano seguinte, para a viagem em que o arquiteto participaria do projeto da sede da ONU.
1940
Conhece o prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, que o convida a projetar o Conjunto da Pampulha – formado pela igreja de São Francisco, um cassino, a Casa do Baile, um clube e um hotel, não realizado. Nas edificações, aparecem os traços que marcariam a obra do arquiteto.
1945
Aos 38 anos, ingressa no Partido Comunista Brasileiro. A aproximação oficial com a legenda variaria nos anos seguintes, entre a ajuda material de Niemeyer aos comunistas e o afastamento. Quarenta e cinco anos depois, o arquiteto se desligaria oficialmente do partido, sem deixar, no entanto, de se declarar um comunista.
1947
Niemeyer foi um dos dez arquitetos convidados a projetar a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Em três dias, formulou o projeto – escolhido vencedor. Depois, porém, os desenhos receberam alterações do franco-suíço Le Corbusier e, enfim, da própria comissão organizadora – o que desagradou ao brasileiro.
1953
É convidado a fazer parte de um grupo de 15 arquitetos encarregados de projetar unidades de habitações no bairro de Hansa, em Berlim Ocidental. No ano seguinte, viaja pela primeira vez à Europa, visitando Portugal, Alemanha, França, Polônia e a então União Soviética.
1954
O conjunto de edificações do Ibirapuera, em São Paulo, foi um marco: a partir de sua inauguração, em 1954, houve a aceitação definitiva da arquitetura moderna no país. Foi também o grande marco dos 400 anos da capital paulista.
1956
Encarregado de organizar o concurso para escolha do plano-piloto de Brasília, Niemeyer participa também da comissão julgadora. O projeto urbanístico vencedor é assinado por Lucio Costa, seu amigo e ex-patrão, e prevê o traçado conhecido da cidade, em forma de cruz. Nos anos seguintes, Niemeyer projetaria os principais edifícios da capital: os palácios do Planalto, da Alvorada, da Justiça, o Supremo Tribunal Federal, o Itamaraty, os ministérios e a Catedral.
No mesmo ano, as curvas de Niemeyer ganharam novo espaço: o palco do Teatro Municipal do Rio. Estreava a peça Orfeu da Conceição, versão do mito grego convertida em tragédia carioca pelo diplomata e poeta Vinicius de Moraes. Niemeyer assinava os cenários.
1963
É nomeado membro honorário do importante Instituto Americano de Arquitetos dos Estados Unidos. A nomeação reflete a crescente atenção despertada pelas obras do arquiteto brasileiro, em especial as construções públicas de Brasília. Os projetos são vistos como um a concretização do projeto moderno – e como a própria modernização do Brasil.
1964
Durante viagem a Israel, Niemeyer é surpreendido pela notícia do golpe militar no Brasil, que derrubou o governo do presidente João Goulart. Ao retornar ao país, é intimado a depor no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), devido às suas ligações comunistas.
1966
Localizado na região central de São Paulo, o Copan é outro marco da arquitetura moderna. O projeto, concebido na ocasião do IV Centenário da cidade, foi encomendado por uma companhia de turismo que pretendia erguer um complexo hoteleiro, com apartamentos de luxo, teatro, cinemas, restaurantes, jardins, lojas e garagens, nunca foi adiante. Depois de várias alterações, as obras se iniciaram em 1957, sendo concluídas em 1966. A forma sinuosa – seu famoso formato de “S” – quebra ângulos retos do centro da capital paulista e traz a marca de seu criador.
1967
Impedido de trabalhar no Brasil pelos militares, decide se instalar em Paris. Na França, recebe apoio do escritor e ministro André Malraux e do próprio presidente francês, Charles De Gaulle. “Fizeram um decreto para eu poder trabalhar na França como arquiteto francês”, relembraria mais tarde Niemeyer. No mesmo ano, projeta a sede do Partido Comunista Francês.
1970
Em quase oito décadas de casamento, Oscar e Annita Niemeyer tiveram uma única filha: Anna Maria. Desde jovem, ela passaria a colaborar em projetos do pai, realizando, entre outros, a ambientação de interiores dos Palácios da Alvorada e do Planalto. Em 1970, ela assumiu o comando de uma galeria de arte no Rio.
1971
Convidado a participar da empreitada como consultor, mas acabou liderando o projeto da Universidade de Constatine, na Argélia. O país havia se separado havia pouco tempo da França e buscava afirmar sua autonomia, inclusive por meio de novas construções.
1978
Desde a juventude, Niemeyer tocava cavaquinho –mal, segundo os amigos. Com recursos técnicos limitados e repertório curto, o arquiteto se restringia a tocar a famosa canção Amélia, de Ataúfo Alves e Mário Lago.
1980
O arquiteto volta ao Brasil. No regresso, inicia a produção de uma nova safra de obras de grande repercussão, que sofreriam, simultaneamente, fortes críticas. Fazem parte deste período trabalhos como o Sambódromo carioca, os Cieps (Centro Integrado de Integração Pública brizolistas), o Memorial da América Latina, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói e o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
1987
É inaugurada em São Paulo outra das polêmicas obras de Niemeyer: o Memorial da América Latina. Todas as curvas ousadas em concreto do arquiteto estavam no projeto, acusado, porém, de impor aridez a seus ocupantes – devido ao excesso de cimento e à escassez de verde.
1988
Recebe o prêmio Pritzker de Arquitetura, da Fundação Hyatt, dos Estados Unidos, maior distinção na área de arquitetura mundial, que reconhece a contribuição de toda a carreira de Niemeyer.
1990
Desliga-se do Partido Comunista Brasileiro, juntamente com Luiz Carlos Prestes, após 45 anos de filiação. A defecção, entretanto, não implica rompimento com os ideais. A queda do Muro de Berlim, ocorrida um ano antes, e o consequente desmoronamento dos regimes comunistas do Leste Europeu também não o dissuadiram a mudar de posição, que se referia ao ditator soviético Josef Stalin (1879-1953) como “um estadista”.
1996
É inaugurado em Niterói (RJ) o Museu de Arte Contemporânea. A construção, um grande disco apoiado em uma estreita base, se debruça sobre o mar, com vista para as praias cariocas. Logo, ganhou o apelido de “disco voador”.
2004
Niemeyer recebe o título de cidadão paulistano pelos projetos que criou na cidade. Entre suas principais obras em São Paulo estão a Oca, no Parque do Ibirapuera, o Edifício Copan e o Memorial da América Latina.
2006
É submetido a uma cirurgia para reconstrução do quadril, após sofrer uma queda ao tropeçar no tapete de sua casa, aos 98 anos. No mesmo ano, com quatro netos, onze bisnetos e três trinetos, Niemeyer surpreendeu casando-se escondido com sua secretária, Vera Lúcia Cabreira, de 60 anos. Niemeyer só comunicou à família sobre a união no dia seguinte – parte dos familiares se opôs ao casamento.
2007
No dia 15 de dezembro, Niemeyer completa um século de vida. O arquiteto recebe as mais diversas homenagens, como o título de Comendador da Ordem Nacional da Legião de Honra, da França, e a medalha do Mérito Cultural, do Brasil, além de uma carta do ditador cubano Fidel Castro, já afastado do poder por motivos de saúde.
2008
Na segunda quinzena de setembro, suas obras entram em exposição na Espanha. O evento, com 17 maquetes, 21 desenhos, 50 croquis, dois livros e 25 fotografias, vai até o dia 22 de novembro de 2009. Apresenta projetos como o Museu Casa Pelé, uma praça em Brasília, um auditório em Ravello (Itália), um parque aquático em Postdam (Alemanha) e a Nova sede da União Nacional dos Estudantes.
2009
Em setembro, submete-se a uma cirurgia na vesícula, feita por laparoscopia, no Hospital Samaritano, no Rio. Durante a recuperação, demonstrou vitalidade, manifestou inquietação e vontade de voltar a trabalhar em seus projetos. Foi a primeira de uma sequência de internações.
2012
Inaugurado em 1984, o Sambódromo do Rio de Janeiro finalmente ganhou, em 2012, a configuração idealizada por Niemeyer, com arquibancadas espelhadas ao longo de toda a extensão da pista. Em junho, morre a única filha do arquiteto, Anna Maria Niemeyer, aos 82 anos, de enfisema pulmonar.
4 de dezembro de 2012
Oscar Niemeyer morre, aos 104 anos, no Rio de Janeiro