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O triste fim dos bares e restaurantes do centro

Não adianta reformar praças se no final da pandemia não houver um comércio saudável para atrair gente, diz Marcel Steiner, mestre em história da arquitetura

Por Marcel Steiner
Atualizado em 12 jun 2020, 19h15 - Publicado em 5 jun 2020, 08h59
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  • Desde 20 de março de 2020, uma sexta-feira marcante, o Centro de São Paulo ficou mais triste e perdeu sua vitalidade de uma hora para outra. Boa parte das lojas, hotéis, bares e restaurantes permanece fechada até hoje.

    Quando você planejou sua última viagem de férias (bons tempos!) e pediu dicas de roteiro aos amigos, quantos bares e restaurantes foram recomendados? O número deve ter sido alto. Alto o suficiente para gerar alguma ansiedade e fazê-lo temer que o tempo naquela cidade fosse talvez muito curto para aproveitar as atrações gastronômicas. Nos últimos anos, o Centro de São Paulo ganhou bares e restaurantes bacanas, que atraíam turistas de todo o Brasil. Essa era a nova força da região. E a pandemia pôs em risco o investimento e o trabalho que finalmente começavam a ganhar relevância.

    No Estado de São Paulo, a pandemia já fechou 20% dos restaurantes. A estimativa é que quase metade dos estabelecimentos baixe as portas definitivamente durante esse período. Restaurantes tradicionais, como o PASV, na Avenida São João, e o Itamarati, no Largo São Francisco, já anunciaram seu fechamento permanente. E a prefeitura não apresentou até agora um plano de socorro a comerciantes. Pelo contrário, continua cobrando IPTU integral de negócios que estão há meses sem faturar.

    O setor de alimentos e bebidas emprega muita gente. E tem um efeito turístico enorme. São Paulo é um destino consolidado entre brasileiros que querem conhecer bares e restaurantes durante os feriados. Virou uma capital gastronômica nos últimos vinte anos. Exceto pelas iniciativas pontuais, não há estímulo do poder público para que novos estabelecimentos sejam empreendidos.

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    Vemos mais exemplos punitivos que medidas que estimulem novos negócios. O Termo de Permissão de Uso de Calçadas (TPU) é o mais emblemático deles. Mesas de bares e restaurantes dão vida a qualquer calçada. Aumentam a segurança, animam o bairro e favorecem a troca humana. É muito mais gostoso caminhar numa calçada viva, cheia de gente, do que em passeios vazios, espremido entre carros e muros altos.

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    Em 2019, a atual gestão decidiu cobrar mais pelo uso das calçadas e inviabilizou muitos comércios. Um hotel tradicional do Centro, que pagava anualmente cerca de 7 000 reais pela permissão de uso, teve de desembolsar o equivalente a 140 000 com as novas regras. Ninguém entendeu o cálculo.

    Durante a pandemia, a prefeitura suspendeu a emissão de novas licenças. Não que isso mude muita coisa, já que quem não trabalha com delivery ou take-away está com as portas fechadas. Mas na reabertura será importante olhar com cuidado para estabelecimentos que queiram ter mesas e  cadeiras na calçada.

    Com regras que não atrapalhem a circulação de pedestres nem perturbem moradores durante a noite, não há motivos para desestimular o uso das calçadas. Uma parcela dos paulistanos olha torto toda vez que precisa passar na frente de um bar ou restaurante lotado, com clientes na porta ou tomando uma cerveja do lado de fora. Muita gente realmente se incomoda com a felicidade alheia. Se você não precisa desviar e arriscar a vida no meio dos carros, qual o motivo para ser contra o uso das calçadas?

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    Cadeira francesa: clássico do design e sinônimo de boemia (Marcel Steiner/Veja SP)

    A cidade que provavelmente mais estimulou mesas do lado de fora foi Paris. Cafés e bistrôs com cadeiras de fibra colorida trançada foram eternizados no cinema, na fotografia e em pinturas. Fabricada pela Maison Gatti desde 1920, a cadeira francesa tornou-se um clássico do design e é quase sinônimo da vida boêmia da calçada parisiense. Sentar-se numa cadeira dessas e pedir um café ou uma taça de vinho é tão importante quanto fazer uma visita ao Louvre. É o momento de recarregar as energias e ficar observando parisienses para lá e para cá.

    Além do exemplo de Paris, gosto de usar o da calçada turca. No centro de Istambul, no entorno do bairro de Beyoglu, curiosamente, há poucas praças e museus. E, ainda assim, é uma região deliciosa, que atrai moradores e turistas. Há gente por todo lado, caminhando com sacolas, na fila da sorveteria, ou simplesmente sentada em banquinhos de madeira sem encosto, jogando gamão com os amigos e tomando chá. Lá, a prefeitura estimula o comércio a ocupar o máximo de espaço em ruas e calçadas. Sem pudor algum. A presença de clientes em espaços públicos torna (há séculos!) a cidade muito agradável e dinâmica.

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    Calçadas vivas em Istambul e Paris: prefeituras estimulam ocupação por bares e restaurantes para deixar áreas mais animadas e seguras (Marcel steiner/Veja SP)

    Essa mesma parcela da população paulistana que não enxerga a calçada como uma ferramenta urbana poderosa tem algo mal resolvido com os donos de comércio. Acredita que eles são “vilões exploradores” e lucram demais. E a realidade é o oposto. O setor trabalha com margens pequenas e está fragilizado há anos. Sem espaço para erros. Em 2019, o lucro médio dos restaurantes no Brasil foi de 8%. O lucro ideal é entre 15% e 20%. Não dá para dizer que é um ótimo negócio.

    A prefeitura de São Paulo deveria ser menos dracônica com o setor. E estimulá-lo com menos burocracias e taxas. Neste momento, inclusive, deveria estar preocupada com o número de falências que vão ocorrer durante a quarentena. O efeito urbano do fechamento de bares e restaurantes será aterrorizante. E no Centro, cheio de problemas históricos, o cuidado deveria ser ainda maior. Não adianta reformar praças se no final da pandemia não houver um comércio saudável para atrair gente. A vitalidade urbana não depende apenas de espaços públicos bem cuidados e eventos que tragam paulistanos de vez em quando ao Centro.

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    Marcel Steiner
    Marcel Steiner é economista, empresário e mestre em história da arquitetura pela FAU-USP (Julio Tavares/Veja SP)

    Publicado em VEJA SÃO PAULO de 10 de junho de 2020, edição nº 2690.  

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