Na última terça-feira (31), quando a dona de casa Jacira Aparecida Pereira se viu cercada por três seguranças do supermercado Casa Santa Luzia, nos Jardins, ensaiou armar um pequeno escândalo. “Vou processar vocês por essa acusação absurda”, gritava ela, flagrada pelas câmeras de segurança do estabelecimento furtando itens como uma garrafa de grappa (refinada aguardente italiana de uva) no valor de 1.316 reais. O segundo passo foi entortar a boca e enrolar a língua, como se estivesse sofrendo um mal súbito. A história também não colou. Ao assistir aos vídeos nos quais aparecia lotando a bolsa com produtos caros, argumentou que, com o fim da distribuição das sacolinhas plásticas, teve de improvisar sua própria ecobag e, distraída, acabou se esquecendo de passar pelo caixa. Mais tarde, antes de prestar depoimento na Delegacia Especializada no Atendimento ao Turista, no centro, onde se registrou o caso, finalmente confessou a investigadores e jornalistas presentes que ganha a vida realizando furtos de artigos em lojas do varejo na capital.
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Não se pode negar o seu bom gosto. Além de bebidas importadas, Jacira levava produtos como picanha maturada e latas do bacalhau português Ramirez, muito apreciadas entre os gourmets. Numa investida recente na mesma Casa Santa Luzia, provocou um prejuízo de mais de 2.000 reais.
Com 54 anos, 1,58 metro de altura, 70 quilos, cabelos tingidos e óculos de professora primária, Jacira não levantava muitas suspeitas entre os seguranças das lojas. Os vídeos com registros de algumas de suas ações mostram que ela seguia direto para prateleiras específicas e afanava até caixa de rum, sem se importar com a presença por perto de outros clientes. A mão-leve surrupiava junto as etiquetas com os valores das mercadorias, possivelmente para atestar a procedência durante a negociação com os receptadores. A polícia ainda não sabe se eles são glutões de paladar afiado e pouco caráter, interessados em pagar pechinchas por delícias importadas, ou se ela atua como fornecedora de algum bar ou restaurante.
A gatuna soma nove passagens pela polícia. A primeira foi em 1996, sob suspeita de estelionato, falsificando cheques de um empresário chinês. As oito seguintes, todas sob suspeita de furto. Marcos Maluf, sócio do Emporium São Paulo, conta que um segurança da unidade da Vila Nova Conceição flagrou Jacira duas vezes, em agosto e novembro do ano passado. Na primeira, diante da choradeira da mulher, que dizia ter pego três peças de picanha por fome, ele dispensou-a sob a condição de que não voltasse mais lá. “Na segunda, ela reapareceu com uma sacola funda, onde colocou vinte peças de carne”, afirma o empresário, segundo o qual havia uma comparsa na ação, que fazia barulho no caixa ao reclamar de troco enquanto a parceira saía pela porta da frente. Na Casa Santa Luzia, há suspeita de dobradinha semelhante. A gerência desconfia de um homem na faixa dos 60 anos que mobilizava a atenção do funcionário responsável pela adega enquanto a larápia pegava as garrafas. Ele provocou desconfiança no encarregado da seção por não conduzir cestinha ou carrinho, fazer perguntas repetitivas a respeito das bebidas e deixar o local sem levar nenhum dos rótulos sobre os quais tinha dúvida.
Nascida em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, Jacira mora hoje em uma casa no município de Diadema. A residência, de tijolos e com um quintal repleto de avencas, samambaias e outras plantas, é simples, mas se destaca em meio à vizinhança modesta do bairro Parque Mamede. Depois de prestar depoimento na delegacia e ser indiciada por suspeita de furto qualificado, crime cuja pena varia de dois a oito anos de prisão, ela sumiu do pedaço. Quem atende a campainha no endereço é um senhor que aparenta ter 50 anos e que se apresentou para os policiais como seu marido. Segundo ele, a companheira teria viajado alguns dias atrás para Minas Gerais, para fugir da repercussão do caso. “Os vizinhos ficam olhando de um jeito diferente, e nossa vida virou um inferno”, desabafou.
Apesar de ser uma veterana de passagens pelas delegacias da capital, Jacira só ficou presa uma vez, por um mês. Além disso, durante o julgamento de um de seus episódios de furto, o juiz estabeleceu uma série de restrições à liberdade dela, como não sair de São Paulo sem autorização judicial (ordem que Jacira contrariou agora, caso seja verdadeira a história da ida a Minas Gerais). Os reveses, aparentemente, não mudaram sua rotina. De acordo com a polícia, ela confessou que não agia sozinha, mas formaria, ao lado de outras mulheres, uma espécie de liga das senhoras espertalhonas. “Jacira me disse que, se levarmos todas a julgamento, vão enrolar o juiz com a lábia e serão capazes ainda de sumir com a caneta dele”, conta o delegado Osvaldo Gonçalves
Mão leve, bolsa cheia
Nome: Jacira Aparecida Pereira
Idade: 54 anos
Nascimento: Ferraz de Vasconcelos (Grande São Paulo)
Escolaridade: ensino fundamental incompleto
Passagens anteriores pela polícia: nove (oito por furto e uma por estelionato)
As novas acusações: furto de itens do supermercado Casa Santa Luzia no dia 19 e tentativa de furto no dia 31