Após 28 anos de gestão de governadores do PSDB, na noite de 30 de outubro os paulistas saberão quem será o seu novo governador, que deverá trazer diferenças não só nas bandeiras que defende, mas também na forma como pretende governar o maior estado do país. A campanha repete a polarização da disputa federal, com Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato de Jair Bolsonaro (PL), e Fernando Haddad (PT), apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Eles protagonizam agora uma disputa inédita, já que desde 1994 os eleitores paulistas sempre tiveram como uma das opções o 45 nas urnas. A legenda tucana naufragou na frustrada tentativa do governador Rodrigo Garcia (PSDB) em se reeleger, deixando a sigla em seu pior momento desde a fundação, em 1988.
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Agora, os números a ser escolhidos nas urnas serão outros: o 10, de Tarcísio, que se reafirma como conservador, e o 13, de Haddad, progressista. Além de seus respectivos padrinhos na esfera nacional, cada um se valeu de costuras políticas locais. Felicio Ramuth (PSD), nome indicado por Gilberto Kassab para a corrida ao Palácio dos Bandeirantes, acabou vice de Tarcísio. Já Márcio França (PSB) desistiu de concorrer ao governo estadual para apoiar Haddad. Em troca, impôs seu nome na sua fracassada disputa ao Senado e, de quebra, emplacou a esposa, Lúcia França, como vice do petista.
Além da ausência de tucanos, a eleição deste ano mostra um novo fôlego do PT, que nunca comandou o estado e havia chegado no segundo turno na disputa estadual pela última vez em 2002, quando José Genoíno foi derrotado por Geraldo Alckmin (à época no PSDB e hoje no PSB). Caso a eleição de Tarcísio se concretize, será um marco na história do Republicanos, sigla criada há apenas dezoito anos como um braço político da Igreja Universal do Reino de Deus. Haddad e Tarcísio pregam “mudança” no estado após o “reinado” do PSDB.
Para poder entender melhor o cenário, a Vejinha ouviu de políticos a técnicos, e especialistas em ciência política, que mostraram o que esperar da forma de cada um governar, a partir da experiência que já demonstraram nos cargos que ocuparam, e como devem ser os primeiros 100 dias de quem for eleito. Além de como pretendem lidar com as principais “heranças malditas” deixadas pelo PSDB, caso do Rodoanel Norte e da lentidão de obras do metrô, e o que será feito delas. E como vão lidar com projetos deixados pelos tucanos e que foram bem sucedidos no estado de São Paulo.
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“O mais tucano dos petistas”
Professor de ciência política, ex-ministro da Educação e ex-prefeito da capital, Fernando Haddad tem 59 anos e o respaldo do ex-presidente Lula na eleição estadual. Considerado por seus pares como “o mais tucano dos petistas”, entrou na disputa pelo governo paulista com o desafio de colocar o PT no comando do estado mais tucano do país. Ele tem na austeridade fiscal um de seus maiores símbolos, promete ampliar programas sociais, aumentar o número de câmeras no uniforme da PM, subir o salário mínimo paulista, rever contratos com concessionárias de rodovias e transporte público e criar os institutos estaduais de ensino, replicando o modelo dos institutos federais desenvolvidos no governo Lula.
Dois secretários que atuaram na prefeitura de São Paulo à época em que Haddad foi prefeito acreditam que o diálogo com o interior será um desafio. “Em alguns momentos ele adota medidas centralizadoras, tanto é que os diálogos com as bordas da cidade praticamente inexistiram (no mandato)”, afirma um ex-secretário. “Agora, se eleito, ele tem de entender que o interior faz esse paralelo”, complementa outro. Ambos lembram que Haddad, embora esteja no meio político há muitos anos, carece de uma melhor flexibilização, o que poderá ser um dos pontos negativos de seu futuro governo. A dificuldade de diálogo com o interior é preocupação aventada pelo próprio candidato, tendo em vista o baixo número de prefeitos de esquerda no estado. Caso seja eleito, Haddad terá uma base aliada enxuta na Assembleia Legislativa.
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>>> Evitando o tema
Oficialmente, integrantes do entorno da campanha de Haddad desconversam em relação a cargos na eventual gestão do petista, sejam eles os de secretários, de segundo escalão ou mesmo outros comissionados. Entretanto, no “baixo clero” da legenda muitos comentam que o petista, se eleito, precisará nivelar a sanha do PSB por cargos, ainda mais pelo fato de o ex-governador Márcio França ter deixado a disputa ao governo para tentar, sem sucesso, uma vaga no Senado. França foi o principal responsável pela costura entre as siglas.
Por outro lado, em um eventual governo Haddad no estado, petistas afirmam a necessidade de contar com um nome robusto indicado pela Rede de Marina Silva, eleita deputada federal pelo partido. Um ex-integrante da gestão de Haddad que hoje trabalha na área de educação diz que o nome de Gabriel Chalita já é ventilado no setor. Pesam a favor de Chalita alguns fatores: já ter sido secretário municipal de Educação tanto na gestão de Haddad à frente da prefeitura quanto na de Geraldo Alckmin quando governador, além de até hoje ser um nome muito bem-aceito no meio do professorado paulista. Outro citado é o deputado federal Paulo Teixeira (PT), que, depois de não conseguir se reeleger, intensificou a sua presença em eventos de Haddad.
“Bolsonarista soft”
Com Jair Bolsonaro como padrinho político e disputando pela primeira vez um cargo público, o engenheiro e militar da reserva de 47 anos Tarcísio de Freitas, que já serviu na missão de Paz da ONU no Haiti, é carioca e não tem relações históricas com São Paulo, fato que foi e é explorado na campanha. Apesar disso, foi bem recebido por representantes do comércio, da indústria e do agronegócio e é visto por muitos como um perfil mais técnico e menos ideológico. “Focado, mas um neófito no trato com políticos”, classificou um servidor de carreira do governo federal que conviveu com o candidato. Um importante empresário do setor de logística naval disse que Tarcísio confidenciou que “não haverá interferência da ala mais ideológica” do bolsonarismo em sua eventual gestão. “É um bolsonarista, mas um bolsonarista soft. O fato de ele ter ligado para a jornalista (Vera Magalhães) e ter pedido desculpas pelo desaforo de um deputado mostra bem que ele não é um ‘pau-mandado’, é civilizado”, opina o cientista político Rubens Figueiredo.
Tarcísio é defensor de privatizações e quer rever a utilização da câmera no uniforme da PM. No segundo turno, conseguiu apoio da maior parte dos aliados de Rodrigo Garcia: além do PSDB, foi endossado por Cidadania, MDB, União Brasil, Podemos e PP. Pessoas do atual governo e de partidos aliados acreditam que, por causa da base aliada em comum, é provável uma maior continuidade nas políticas públicas que já vinham sendo adotadas por gestões tucanas, e que a segurança pública é uma das áreas onde que mais mudanças são esperadas.
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>>> Até “nomeações”
Ter sido o primeiro colocado no primeiro turno e liderar as pesquisas de intenção de voto neste segundo turno empolgou Tarcísio de Freitas a ponto de ele chegar a “nomear” secretários em uma entrevista. O citado foi Guilherme Afif Domingos, coordenador de sua campanha, ligado ao PSD. Outro cotado é o médico Eleuses Paiva, também do PSD, que coordenou o plano de governo do ex-ministro na área de saúde. Afif e Eleuses seriam da “cota pessoal” de Tarcísio. Um integrante do União Brasil sinalizou que o PSD, aliás, é considerado como o “fiador” do candidato e “fiel da balança” para tentar coibir a ala ideológica bolsonarista.
E a “fome” do PSD é grande. Um integrante da cúpula municipal do PSD afirmou que um dos cotados para integrar o eventual governo Tarcísio na área de cultura é Andrea Matarazzo, que tentou, sem sucesso, se eleger senador na Itália. Ex-concorrente na disputa eleitoral, e agora aliado, o grupo do governador Rodrigo Garcia espera ganhar um bom espaço caso Tarcísio se eleja. As sondagens indicam a pasta de Habitação, e também a Sabesp, onde o nome de Clodoaldo Pelissioni está em alta. A “conta” do apoio de Ricardo Nunes (MDB) já tem destino certo para ser cobrada: a pasta de Transportes e, de quebra, o departamento de estradas, o DER.
PROBLEMAS À VISTA
Independentemente do estilo a ser impresso pelo novo governo, alguns problemas históricos terão de ser enfrentados. Um deles é a conclusão do trecho norte do Rodoanel Mário Covas, parado desde 2018. O leilão estava previsto para abril de 2021 e foi remarcado para janeiro de 2023. O desafio será encontrar no mercado um parceiro privado disposto a investir 3,4 bilhões de reais, sendo 2 bilhões apenas para terminar as obras.
Em relação ao metrô, a maior crítica dos especialistas reside no fato da lentidão das obras. Desde que foi criado, em 1975, foram abertos 104 quilômetros, média de 2,2 por ano. Segundo o governo estadual, atualmente estão em construção 34,1 quilômetros, em obras de quatro linhas (2 – Verde, 6 – Laranja, 15 – Prata e 17 – Ouro), que têm previsão de ser concluídas até 2026. Além de tirar os vários projetos do papel, a meta é evitar os constantes atrasos na entrega das obras, uma das “heranças malditas” dos tucanos em relação ao tema.
Outros desafios, além das obras de infraestrutura, são a melhoria do ensino, a redução dos crimes patrimoniais, a construção de moradias populares e o aperfeiçoamento da rede de saúde. Entre outras coisas, Haddad afirma que vai expandir a Linha 2 – Verde do metrô até Guarulhos, bem como a Linha 13 – Jade da CPTM. Quer também tirar do papel o trem intercidades entre Campinas e Sorocaba. Outra medida que ele promete adotar se eleito é a criação do Bilhete Único Metropolitano, que vai agregar trem, metrô, ônibus da capital e EMTU. Em relação às concessões de rodovias e transporte público, o candidato diz que vai rever os contratos para verificar o cumprimento de obrigações contratuais. Na área da saúde sua meta principal é construir setenta hospitais no estado.
Tarcísio promete concluir o Rodoanel e a Linha 17 – Ouro. Segundo a campanha do candidato, para acelerar a conclusão das linhas de metrô, a estratégia será adotar aditivos contratuais na Linha 5 – Lilás, fazendo-a chegar até o Jardim Ângela, e na Linha 4 – Amarela, para que tenha parada também em Taboão da Serra. Em relação à saúde, entre as promessas de Tarcísio está “fazer São Paulo um polo de referência na utilização de saúde digital e telemedicina de modo a ampliar o acesso”.
HERANÇAS TUCANAS
Do Poupatempo, criado há 25 anos e eleito pelo Datafolha por diversas vezes o melhor serviço público paulista, ao Bolsa do Povo, que mantém linhas de auxílio financeiro a pessoas em situação de vulnerabilidade social, muitos dos programas existentes em São Paulo já se tornaram vitrines políticas para os tucanos. Um dos mais recentes é a despoluição do Rio Pinheiros, que foi explorado à exaustão pelo ex-governador João Doria (então no PSDB). Outro programa-símbolo do legado tucano é o Bom Prato, que desde 2000 já forneceu mais de 314 milhões de refeições a baixo custo ou de graça. Seja quem for eleito, os programas devem ser mantidos e ampliados, prometem os candidatos.
Tarcísio diz que “tudo o que for bom terá continuidade”. Sua ideia é aumentar a rede Bom Prato, criando mais trinta restaurantes no primeiro ano de gestão. Ele ainda destacou que a despoluição dos rios Pinheiros e Tietê é “fundamental para a manutenção da segurança hídrica”.
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Já Haddad prometeu “manter os programas que dão certo”, expandindo o Bom Prato com a construção de novas unidades em regiões mais vulneráveis. O candidato ainda garantiu que vai intensificar o projeto de despoluição do Rio Pinheiros e formular o plano de despoluição do Rio Tietê.
Primeiros 100 dias de governo
A cartilha política ensina que os primeiros 100 dias de governo é o período em que o novo governante deve mostrar a que veio e compatibilizar as propostas difundidas em seu plano à realidade que encontrará nas áreas sociais, econômicas e de infraestrutura. Questionados sobre o que farão, Tarcísio e Haddad deram respostas vagas. Algumas podem ser feitas “por canetada” e outras dependem de aval do Legislativo, algo difícil de ocorrer em prazo tão apertado.
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Haddad promete retirar o imposto sobre circulação de produtos e serviços (ICMS) da carne e dos produtos da cesta básica, o que pode ser feito por decreto. Por sua vez, Tarcísio diz que pretende reforçar o cuidado às pessoas em situação de rua e propor uma série de políticas públicas para acolhimento, assistência social, habitação, segurança e recapacitação para a reinserção no mercado de trabalho. Dependendo dos projetos, ele precisará de leis específicas e negociação com os deputados estaduais, ainda que tiver a maioria dos partidos alinhados com seu governo. O mesmo ocorrerá se Haddad de fato cumprir a promessa de recomposição do salário mínimo paulista, elevando-o para 1 580 reais, o que também depende do aval da Assembleia. No caso do petista, a medida será mais difícil, já que inclui formar consenso em uma Casa em que ele não terá maioria de políticos aliados.
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Publicado em VEJA São Paulo de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813