Primeiro de outubro, 15h30, paróquia Santa Teresinha do Menino Jesus, em Higienópolis. Nem parece tarde de quarta-feira na Rua Maranhão, tamanho o movimento de devotos na igreja. Cerca de 700 pessoas se aglomeram ali. Rosas são vendidas nas banquinhas da frente, já que as 5 000 flores oferecidas pelos padres gratuitamente ao longo da semana foram insuficientes. No dia do aniversário de 111 anos da morte da santa francesa, quem reza a principal das seis missas é o cardeal-arcebispo dom Odilo Scherer. “Que-remos que os católicos vejam os santos de uma nova forma”, diz. “Mais do que esperar por milagres ou graças pessoais, devemos admirá-los por seu exemplo.” Embora escutem atentamente o sermão, os paulistanos que erguem suas rosas para a bênção no fim da cerimônia têm, sim, a esperança de que a flor simbolize a intercessão da santa por suas preces e promessas. “Ela me curou de um tumor”, acredita a professora Terezinha Dala Dea, que carrega na bolsa e no carro alguns dos 300 folhetinhos que mandou imprimir para divulgar a santa que inspirou seu nome. A devota chega a se emocionar diante da chuva de pétalas que caiu sobre o altar, encerrando o culto festivo.
A Igreja Católica já canonizou 6 700 pessoas que tiveram uma vida terrena exemplar, inspirada na de Jesus Cristo. Todas ganharam do Vaticano o título de santo após processos canônicos que comprovariam seus milagres. Alguns são cultuados com maior fervor pelos paulistanos. Normalmente eles têm o dia celebrado na data de sua morte, com missas extras e bênçãos especiais que só perdem em importância para as comemorações do Natal e da Páscoa. Além de abarrotarem igrejas, as datas de santos superlotam o calendário – em média, há dezoito santos para cada dia do ano. A maior concentração de aniversários dos milagreiros populares de São Paulo acontece em outubro. Nas festas de seus padroeiros, as 465 paróquias e os dez santuários da cidade recebem muito mais freqüentadores que aos domingos – 22% dos 5,9 milhões de paulistanos católicos assumidos dizem freqüentar a igreja somente uma vez por semana. Ao lado dos devotos humildes, os milagreiros paulistanos são também venerados por gente famosa (veja o quadro).
No último sábado (4), filas de fiéis com seus cães e gatos se formaram nas igrejas que levam o nome de São Francisco de Assis, patrono dos animais e da ecologia. “São Francisco amava a natureza e conversava com os pássaros”, conta Anacleto Luiz Gapski, um dos trinta frades do convento no Largo São Francisco, no centro. Houve seis missas e muitas bênçãos “ecológicas” ao longo do dia. “As pessoas trazem bichos e plantas de todos os tipos”, diz Gapski, que já se surpreendeu com a missão de fazer o sinal-da-cruz para uma lhama e uma girafa de circo. A programação do mês franciscano inclui atividades sociais como o café colonial com bingo, no dia 16.
São Benedito, cozinheiro na Itália no século XVI, também ganhou festa no mesmo fim de semana. Sua imagem costuma decorar as cozinhas de chefs como Alex Atala.– acredita-se que assim nunca faltará alimento na despensa. “No dia 5 de outubro, aniversário de sua morte, um enorme bolo bento costuma ser distribuído”, afirma Juarez Murialdo, padre da paróquia São Benedito, na Vila Nilo, Zona Norte. “Os devotos também oferecem a ele o primeiro cafezinho do dia.” Neste ano, devido às eleições, as comemorações foram estendidas por três semanas, incluindo uma procissão com velas e tochas acesas pelas ruas do bairro.
“As pessoas se sentem próximas dos santos porque eles foram gente como a gente, enquanto Deus, mesmo poderoso, parece mais distante”, diz a jornalista Carolina Chagas, que lançou na semana passada O Livro dos Santos, da Editora Publifolha. Trata-se de sua sétima obra do gênero, entre outras como Nossa Senhora! e O Livro das Graças. A veneração aos que são considerados intermediários de Deus é responsável por boa parte do comércio nas 211 livrarias especializadas da cidade. Imagens, terços, velas e folhetinhos com orações fazem dos santos a principal força motriz do mercado de artigos religiosos, que movimenta impressionantes 11 bilhões de reais por ano segundo a Promotora Católica (Promocat), responsável pela organização de feiras como a ExpoCatólica, em agosto. O crescimento dessa devoção só não é mais evidente porque muitos rituais acontecem à margem do catolicismo oficial. Fiéis de várias religiões rezam em oratórios de casa e organizam romarias sem conhecimento dos padres. “Essas práticas vêm de uma raiz popular e são comuns em cidades menores”, diz o teólogo Rafael Rodrigues da Silva, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC). “Procissões e novenas caseiras se diluem no ambiente urbano.”
No caldeirão de manifestações de outubro, nada supera as homenagens a Nossa Senhora Aparecida, venerada com liturgias especiais em todo o país no dia 12. Só o Santuário da cidade de Aparecida atrai 200 000 peregrinos durante o fim de semana (ao longo do ano desembarcam no local mais de 450 romarias de paulistanos). Uns sobem as escadas de joelhos, outros viajam até ali a pé. Pelo Caminho da Fé, andarilhos levam quinze dias para percorrer 400 quilômetros desde Tambaú, em um roteiro de dezenove dias inspirado na caminhada de Santiago de Compostela, na Espanha. Na capital, o fervor por Aparecida pode ser percebido pela quantidade de igrejas batizadas com seu nome – nada menos que 32 – e, há três anos, pela missa campal diante da Catedral da Sé. “Maria é hors-concours e está em um patamar acima de outros santos”, diz o padre Juarez de Castro, que criou e rege a missa mariana ao ar livre. Aparecida é uma das 1 817 denominações de Nossa Senhora reconhecidas em Roma.
A unanimidade de Aparecida pode ser notada pelas vendas da Imagens Bahia, na Liberdade, que fabricou 23 milhões de estátuas católicas em 2008 (3 milhões só de Aparecida) e fatura 2 milhões de reais por ano. O ranking é seguido por Santa Edwiges (padroeira dos endividados), São Jorge (reverenciado por corintianos e seguidores das religiões afro-brasileiras), Santo Expedito (o das causas urgentes) e Santo Antônio (o casamenteiro). Nossa Senhora também lidera a lista de 4 000 modelos produzidos pela Artesanato Costa, fornecedora de parte das requintadas imagens da loja Catedral, no Shopping Iguatemi, que chega a vender uma medalha de ouro de 2 centímetros, cravejada de brilhantes, por 7 000 reais.
Entre as representações com procura mais crescente está a de Frei Galvão, o preferido dos enfermos. No ano passado, o papa Bento XVI esteve no Campo de Marte para canonizar o brasileiro, mantendo como data oficial de reverência o dia de sua beatificação, e não o de sua morte, 23 de dezembro de 1822. Assim, no próximo dia 25 os fiéis devem lotar o Mosteiro da Luz para visitar seu túmulo e memorial, além de pegar os pacotinhos com suas famosas pílulas. “Temos recebido especialmente mulheres querendo engravidar, já que um de seus milagres foi acabar com a esterilidade de uma mãe”, conta o capelão Armênio Rodrigues Nogueira. Em uma das sete missas programadas, Frei Galvão receberá de integrantes do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) o título de primeiro arquiteto do Brasil.
Mas são outros dois aniversariantes da segunda quinzena de outubro que concentram as esperanças dos paulistanos mais desesperados: Santa Edwiges (dia 16) e São Judas Tadeu (dia 28), este considerado imbatível nas causas urgentes. Ambos têm santuários próprios, igrejas que levam esse título em virtude da grande procura de peregrinos. O aniversário de 765 anos da morte da santa alemã vai exigir a participação de quinze padres nas sete missas da igreja do Sacomã. “Esperamos receber 20 000 pessoas, entre moradores de Heliópolis, vizinha ao santuário, e caravanas de outras cidades”, diz o pároco Devanil Ferreira. “Na bênção do fim das missas, as pessoas levantam carteiras profissionais, documentos e chaves do carro.”
São Judas Tadeu impressiona ainda mais. Vinte e cinco padres trabalham para receber 400 000 pessoas no dia 28. Quatro das catorze missas serão rezadas ao ar livre, em um trecho interditado da Avenida Jabaquara. “É tanta gente que os passantes das roletas do metrô Jabaquara triplicam nesse dia”, conta o pároco Marcelo Alves dos Reis. “Vamos instalar quarenta banheiros químicos, contratar quatro caminhões-pipa para garantir que não falte água, coordenar a procissão de 60 000 pessoas e empregar parte dos 200 000 reais do orçamento mensal.” Há quem passe três horas na fila para tocar os dedos nos pés do primo-irmão de Cristo e acreditar num alento à sua vida. O encerramento do mês de maior devoção católica dos paulistanos será coroado com o show apoteótico de Padre Zezinho, ídolo católico, em cima de um trio elétrico.
Santa Teresinha de Jesus
Quem foi: Thérèse Martin nasceu na França em 1873 e morreu cedo, aos 24 anos, de tuberculose, depois de viver enclausurada em um convento desde os 15.
Como é a devoção: seus fiéis levam rosas para ser benzidas no seu dia e pedem graças. Acredita-se que quem for presenteado com flores depois disso terá seu pedido realizado.
Igreja: dez levam seu nome. Uma delas fica na Rua Maranhão, 617, Higienópolis, 3666-4641.
São Francisco de Assis
Quem foi: o italiano de família nobre nasceu em 1181 e fez muita farra até abrir mão de sua riqueza, aos 25 anos. Virou patrono dos pobres e humildes e, como era apaixonado pela natureza, protetor dos animais.
Como é a devoção: no seu dia, devotos levam bichos de estimação e plantas para receber bênçãos.
Igreja: há doze paróquias na cidade. A mais tradicional é a do Largo São Francisco, 133, centro, 3291-2400.
São Benedito
Quem foi: o filho de escravos nasceu em 1526, na Itália. Foi libertado ainda jovem e adotado por franciscanos. Seus dotes culinários o fizeram patrono dos cozinheiros.
Como é a devoção: é comum oferecerem a ele o primeiro cafezinho do dia. Algumas igrejas fazem refeições e doces que são benzidos e distribuídos.
Igreja: cinco paróquias levam seu nome. Uma delas fica na Rua Igarité, 338, Vila Nilo, 2241-1376.
Nossa Senhora Aparecida
Quem foi: em 1717, pescadores do interior de São Paulo recolheram em sua rede uma imagem de terracota, sem cabeça, de Nossa Senhora da Conceição. Pouco depois, pescaram a cabeça, e, a partir desse momento, os peixes teriam começado a encher as redes. Foi chamada Nossa Senhora Aparecida e se tornou padroeira do Brasil.
Como é a devoção: desde 1988, seu dia é feriado nacional, com liturgias especiais em todas as igrejas.
Igreja: há 32 igrejas que a homenageiam na capital. Uma delas fica na Praça Nossa Senhora Aparecida, s/nº, Moema, 5052-4919.