De fraque preto e gravata-borboleta branca, o maestro João Carlos Martins finge reger um concerto, com um enorme sorriso estampado no rosto meticulosamente escanhoado. Ao seu lado, integrantes da orquestra fundada por ele, a Bachiana Filarmônica, improvisam passos de samba segurando violinos, trompetes e flautas transversais. À volta do grupo, cerca de 3.800 foliões, paramentados com adereços e plumas, ziguezagueiam. Gritam frases como “Jovem pianista genial” e “A música venceu”.
Já amanhecia quando a escola de samba Vai-Vai, cujo enredo homenageava Martins, começou a desfilar pelo Sambódromo do Anhembi, no último sábado.“Foi uma das experiências mais emocionantes de minha vida”, diz ele. A consagração veio três dias depois, quando a agremiação foi anunciada campeã do Carnaval paulistano pela 14ª vez. Fundada no Bixiga, a escola recebeu a nota 269,5 — ou 0,5 ponto abaixo de 270, a pontuação máxima. Com 269,25, a Acadêmicos do Tucuruvi faturou o segundo lugar. Nenê de Vila Matilde e Unidos do Peruche foram rebaixadas para o grupo de acesso.
O maestro acompanhou a apuração do desfile pela televisão, em um hotel em Fort Lauderdale, na Flórida — ele se apresentará com a Bachiana Filarmônica nos Estados Unidos em setembro. “Uma hora depois do anúncio do resultado, meu celular registrava 75 chamadas não atendidas e cinquenta mensagens de texto me parabenizando”, conta ele.
A aventura carnavalesca é de certa forma a coroação de sua carreira. Poucos colegas de profissão desfrutam a mesma popularidade no Brasil. Dramática, sua trajetória já é quase de domínio público. Pianista refinado, Martins ganhou fama mundial como intérprete de Bach. Em 1966, durante um jogo de futebol no Central Park, em Nova York, caiu sobre uma pedra e machucou um nervo na altura do cotovelo direito. Sentindo dores ao tocar, cogitou afastar-se dos palcos repetidas vezes.
Em 1995, ao sofrer um assalto em Sófia, capital da Bulgária, recebeu um golpe na cabeça com uma barra de ferro que lhe prejudicou ainda mais os movimentos. A tragédia foi seguida de um tumor na mão esquerda e de uma doença neurológica que impede que os dedos superiores fiquem estendidos.
Em 2002, a carreira de pianista chegou ao fim. O pesadelo, porém, faz parte do passado. À vontade na função de maestro, que não usa batuta para não se machucar, Martins é festejado por ter dado a volta por cima. No fim do último episódio da novela “Viver a Vida”, da Rede Globo, em maio do ano passado, narrou sua história de superação em rede nacional. A fama também exorcizou sua atuação, da qual se arrepende, como arrecadador de campanha de Paulo Maluf nos anos 90, quando foi acusado de abastecer um caixa dois. “Estou escrevendo um novo capítulo em minha vida, como regente”, diz ele, aos 71 anos. “Está apenas no começo.”