A leishmaniose, doença transmitida por um mosquito que contamina seres humanos e cães, está se espalhando por municípios do Estado e avança em direção à capital. É o que aponta uma pesquisa inédita da Universidade do Oeste de São Paulo (UNOESTE).
A doença apareceu pela primeira vez há 22 anos em Araçatuba, a cerca de 500 quilômetros de São Paulo, e, desde então, avançou rapidamente para outras cidades. Dados da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) apontam que 30% dos municípios já apresentam registros da leishmaniose visceral, a variedade mais perigosa. De lá para cá, mais de 2 800 casos foram confirmados, com 242 mortes.
O estudo é fruto de uma dissertação de mestrado do médico Rodrigo Sala Ferro com base em dados do Sucen e da Secretaria Estadual de Saúde.
Doença típica de áreas com mata, a leishmaniose chega às cidades seguindo o curso das principais rodovias e radiais, a exemplo de Campo Grande (MS), Natal (RN) e Belo Horizonte (MG). No caso de São Paulo, acompanha a rodovia Marechal Cândido Rondon, a ferrovia Novoeste e o gasoduto Bolívia-Brasil. “São grandes as evidências de que [a leishmaniose] veio da Bolívia durante a construção desse túnel”, explica o professor Luiz Euribel Prestes Carneiro, orientador da pesquisa.
Também foram identificados saltos da doença: o Guarujá, a 400 quilômetros das regiões endêmicas, teve três casos da doença entre 2016 e 2017, dois deles letais.
Ainda não se sabe o motivo desses saltos. Uma das hipóteses é que outras variedades de mosquitos silvestres estejam carregando o parasita. “A capacidade de adaptação do vetor está cada vez maior. Nunca imaginaríamos, por exemplo, leishmaniose no Rio Grande do Sul”, aponta o infectologista José Ângelo Lauletta Lindoso, do Hospital Emílio Ribas.
Outra teoria ainda é estudo é que o leishmania (protozoário que causa a leishmaniose) possa estar no sêmen dos cachorros. “Em Embu das Artes há cães com a doença, mas não encontramos mosquitos transmissores”, completa. O animal é considerado ‘reservatório’: não contamina o homem, mas serve de “isca” para a proliferação dos vetores.
Apesar da capilaridade, menos casos vem sendo registrados a cada ano. O número caiu de 141 registrados em 2014 para 121 em 2017, aponta a Secretaria Estadual de Saúde. Já as mortes passaram de 12 para 7. “São Paulo tem um dos sistemas de notificação mais eficientes do Brasil. Há vigilância sobre o mosquito e também sobre os cães e pessoas infectadas”, aponta Euribel.
Letalidade e prevenção
Cerca de 70% das pessoas picadas não chegam a desenvolver a doença. Mas como os sintomas são pouco específicos, é importante ficar atento. Os principais sinais são baço e fígado inchados, além de fraqueza e febre longa. Sem tratamento, a taxa de mortalidade chega a 90%.
Como não há vacina, a principal ação preventiva é conter a proliferação do mosquito flebotomineo (mosquito-palha ou cangalhinha). Essas espécies se proliferam em regiões úmidas e com depósitos de lixo a céu aberto. “Em uma cidade como São Paulo, temos de ter um olhar diferente para cada região”, diz o o médico Lindoso.
Para ele, os profissionais que não convivem com a doença podem demorar a associar os sintomas à leishmaniose. “A demora no diagnóstico é o principal problema”, diz. Lindosa conta que o SUS disponibiliza testes especiais para detecção da leishmaniose, parecidos com os de gravidez. “É rápido e eficaz.”
Outra preocupação são os animais infectados. Em caso de diagnóstico positivo, o Ministério da Saúde orienta sacrificar esses cães para evitar o aparecimento de casos humanos. De acordo com o médico, há outras soluções sob estudo, como o uso de coleiras com repelente.