As paredes amareladas dos setenta edifícios do Parque da Água Branca aguardam o restauro: a cor deve permanecer igual, mas quem vai aplicar a tinta não será o estado. No dia 31 de março, o equipamento, junto com o Villa-Lobos e o Cândido Portinari, vai ganhar um novo administrador, privado.
O vencedor do leilão, que será realizado na sede da B3, no centro da cidade, deverá investir ao menos 61,6 milhões de reais nos três endereços, mas o que deve mudar nos próximos anos? “Os banheiros, locais de alimentação, bebedouros, todos esses equipamentos básicos são os primeiros que devem receber melhorias”, explica o secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente da gestão João Doria (PSDB), Marcos Penido.
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É proibida a cobrança de ingressos para a entrada. A concessão é de trinta anos e 46,9 milhões precisam ser investidos nos seis primeiros anos de contrato. “Poderão explorar a parte de alimentação, eventos, publicidade e venda de produtos”, diz Penido.
O Água Branca, com 136 000 metros quadrados e 2,9 milhões de visitantes por ano antes da pandemia, é o mais escorregadio dos investimentos. “É preciso fazer a reforma dos edifícios, manutenção das trilhas, da estrutura do parque”, diz o secretário.
Os prédios poderão ser ocupados, por exemplo, por novos restaurantes e lanchonetes, mas as atividades voltadas para a terceira idade e o espaço de leitura vão permanecer ali, assim como o programa de equitação para pessoas deficientes e ações de conscientização ambiental.
“O mais superavitário talvez seja o Villa-Lobos, com visitação grande. Eu tenho um parque que gera mais recursos e que consegue bancar outro que precisa desses recursos, a estratégia é essa”, analisa o presidente do Instituto Semeia, Fernando Pieroni, ONG que auxiliou o governo no desenvolvimento do projeto de concessão.
Na comparação, o Villa-Lobos teve em 2019 6,4 milhões de visitantes em seus 723 000 metros quadrados. “Pela lei, era preciso um estudo de impacto ambiental, para ter ideia do que pode acontecer com o ÁguaBranca após a concessão. Entrei com uma ação pedindo a anulação do edital”, diz a advogada Evânia Maria Santa Cruz, 52, do movimento S.O.S Parque da Água Branca.
A entidade lançou um abaixo-assinado, que conta com mais de 17 000 adeptos na internet, alegando falta de diálogo por parte do governo. “Eu frequento o parque desde criança. Não sou contra a concessão, sou contra a forma que foi feita, sem transparência”, diz Evânia. “Nós fizemos audiência, consulta pública, reuniões para a população. Tudo o que estava previsto na lei foi cumprido”, responde Penido.
Há 32 anos, a Associação de Agricultura Orgânica (AAO) realiza uma feira de hortaliças em um dos galpões do parque, permanência de futuro incerto. “São 54 expositores. A maioria vê com bastante temor a concessão, o tempo de discussão foi muito curto. Nós temos uma preocupação com o valor que pode ser cobrado de aluguel”, diz a presidente da AAO, Polyana Villa Boas, 52.
Atualmente, a cessão do espaço é gratuita para a entidade. A feira orgânica, queridinha dos frequentadores, vai permanecer. Mas talvez não seja com o mesmo mantenedor. “Tem de ser melhor do que é hoje. Não tenho que me preocupar com quem vai prestar o serviço, mas com a qualidade. Mas se o atual parceiro se mostrar capaz de trazer melhorias, por que não?”, diz o secretário, sobre a decisão que caberá ao concessionário.
Outro ponto nevrálgico são as galinhas e pintinhos que circulam e se reproduzem dentro do Água Branca. O plano diretor do parque, que deve ser seguido pelo futuro administrador, prevê a diminuição no número desses animais. “As características serão mantidas. Mas tudo que é demais é doença. Não adianta falar que acha bonito sair andando no parque e tropeçar em galinha. A própria USP (que realiza um acompanhamento das aves no endereço) recomenda a redução do número de animais”, responde Penido.
Já no Villa-Lobos, o novo gestor deve potencializar o número de eventos no endereço e estudar a viabilidade de atividades de lazer noturnas, como shows e peças de teatro. A biblioteca que existe no local permanecerá sob a tutela da Secretaria de Cultura.
No Portinari, colado ao Villa-Lobos, com seus 4,9 milhões de visitantes em 2019 e 121 000 metros quadrados, a roda-gigante de 90 metros de altura anunciada para o endereço (que deveria ter sido inaugurada no fim de 2021) permanece nos planos. “Com a concessão há a prestação de um melhor serviço para a população e a geração de emprego e renda. O estado se desonera daquilo que não é sua obrigação primária. O setor privado sabe explorar e melhorar”, defende Penido.
A opinião de que essa é a melhor saída não é consenso. “Todo processo de concessão significa a transferência do poder decisório do ente público para outro, no caso, o privado. A lógica deixa de ser o bem comum, e as atividades com fins lucrativos são priorizadas”, diz o arquiteto e urbanista Toni Zagato, mestre em políticas públicas. “Lembra do estádio do Palmeiras antes da concessão? É a mesma lógica. A população que está se colocando contra vai ser a mais beneficiada. Os conselhos dos parques vão continuar a existir e a concessionária deverá ter um serviço de avaliação da prestação dos serviços”, rebate Marcos Penido.
No dia 31, o Água Branca, o Villa-Lobos e o Portinari serão ofertados a quem oferecer o maior valor de outorga. O lance mínimo começa em 1,5 milhão de reais. Além desse montante, o administrador deverá pagar ao governo uma taxa de 3% sobre a receita mensal adquirida com os parques. As galinhas, a biblioteca e a roda-gigante são certas, mas o que virá depois, é preciso paciência para descobrir.
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Publicado em VEJA São Paulo de 30 de março de 2022, edição nº 2782