Há um mês, uma denúncia da escritora Clara Averbuck sobre um episódio de estupro ocorrido dentro de um carro do Uber teve grande repercussão na capital. Nos dias seguintes, centenas de mulheres revelaram, nas redes sociais, casos semelhantes de assédio sofridos em veículos de aplicativos, levando hashtags como #MeuMotoristaAbusador a reunir mais de 5 000 relatos.
Uma dessas vítimas foi a administradora de empresas Tatiane Durci. Em janeiro, depois de cancelar uma corrida, ela se viu perseguida por mensagens e ligações até ser surpreendida pelo motorista na portaria de seu prédio. “Ele sabia meu nome, telefone e endereço”, relembra. “É uma situação assustadora.”
Para tentar amenizar esse cenário de medo, surgiu neste ano o aplicativo Lady Driver, espécie de Uber restrito a motoristas do
sexo feminino e a passageiras. Desde março, quando começou a funcionar, a plataforma acumulou 50 000 downloads e mais de 8 000 profissionais cadastradas.
“Até então, a única alternativa para evitar o perigo de andar na rua à noite era ficar sozinha no carro com um homem estranho”, explica a administradora de empresas Gabriela Corrêa, criadora do negócio, ela própria vítima de assédio durante uma corrida, em 2015. “Queremos resolver esse problema.”
O sucesso da iniciativa motivou a chegada de concorrentes. O FemiTaxi, que já oferecia às mulheres a possibilidade de encontrar taxistas do mesmo sexo, incluiu os carros particulares no sistema há dois meses. A plataforma mais recente desse tipo, o Nüshu, ainda está cadastrando as motoristas, mas até o fim do ano deve disponibilizar o serviço para as paulistanas que circulam pelo centro expandido.
O curioso nesse fenômeno é que ele não se resume a um interesse das passageiras por maior segurança. As próprias motoristas também se sentem mais à vontade “entre elas”. Uma pesquisa realizada em julho pela FemiTaxi mostrou que quase metade das suas profissionais foi assediada por clientes homens enquanto atendia outros aplicativos de transporte individual.
“Tenho cadastro no Uber, mas ouvi tantos relatos de abusos sofridos pelas minhas colegas que nunca tive coragem de pegar uma corrida por ele”, diz a analista de sistemas Simone Basílio, motorista do Lady Driver desde junho.
Há também uma vantagem financeira na novidade: as plataformas exclusivas para mulheres costumam reter uma porcentagem menor do valor da corrida em relação às demais. Enquanto o Uber fica com cerca de 25% do montante pago pelo usuário, o Lady Driver embolsa 16%, o FemiTaxi, 18%, e o Nüshu, 20%. “Faço cerca de 25 corridas por dia e tenho renda mensal de 4 000 reais, mais do que eu conseguiria em um aplicativo comum”, diz Simone.
A demanda levou empresas mais tradicionais do setor a se mexer. Maior aplicativo de táxis do país, o 99 incluiu, em outubro
de 2016, o filtro “motorista mulher” entre as opções disponibilizadas no momento de pedir a corrida. Ao longo de 2017, esse tipo de solicitação cresceu mais de 700% na ferramenta.
A menor oferta de condutoras, no entanto, faz a espera pelo carro ser bem maior — de até quinze minutos, mais que o dobro em relação à média normal. “Estamos trabalhando para aumentar a nossa base de profissionais”, afirma Daniela Bertocchi, diretora do 99.
O serviço também passou a realizar uma ação de conscientização dos motoristas. “Muitos nem percebem que podem deixar a passageira desconfortável ao perguntar se ela tem namorado”, diz Daniela. Episódios mais extremos, como os de perseguição e assédio, são investigados e podem levar ao desligamento do condutor.
Assim fez o Uber com o homem envolvido no episódio ocorrido com a escritora Clara Averbuck. A companhia mantém, desde o seu surgimento, uma equipe exclusiva para analisar denúncias como essa. Por meio de nota enviada à redação de VEJA SÃO PAULO, a empresa declara que “acredita na importância de combater, coibir e denunciar casos de assédio e violência contra a mulher”.