Foram muitas noites sem dormir. Entre receber as informações de investigadores e planejar as operações, o que incluiu a entrada em um imóvel vizinho que serviu de base para que os agentes pudessem vigiar o movimento da Rua Guaianases, no Centro, o delegado Wagner Carrasco tinha duas preocupações: que sua equipe fosse descoberta e ele não encontrasse nenhum telefone celular nos quinze apartamentos usados por receptadores.
Nada disso ocorreu e ele achou, de uma só vez, em 21 de novembro, 823 aparelhos. Agora, o titular da delegacia de combate à pirataria, que expandiu temporariamente suas atribuições para atuar no crime do momento, precisará localizar os proprietários, mas enfrenta alguns obstáculos, como ausência de boletins de ocorrência.
Como foi a operação que resultou na grande apreensão de celulares de uma só vez?
Ao todo foram três operações, resultando na apreensão de 1 505 aparelhos. Descobrimos na Rua Guaianases um importante ponto de receptação de telefones. Dentro de uma cadeia de crime patrimonial, o receptador é a linha final. Fizemos um primeiro trabalho e, a partir dele, cumprimos diversos mandados de busca e apreendemos quase 400 celulares em alguns pontos. Na terceira operação, representamos por quinze mandados de busca e apreensão e em seis deles encontramos os 823 telefones.
Onde esses aparelhos foram roubados e furtados?
Pegamos celulares que foram roubados e furtados em vários locais da cidade e até em outros estados. Houve casos de furtos em exposições no interior de São Paulo e até de pessoas que foram alvo no Rio de Janeiro, no ano passado, durante o Rock in Rio.
Vai ser possível mapear os locais e as circunstâncias dos crimes?
Sim, nós saberemos após fazer uma análise sobre quantos foram vítimas de furto, roubo ou latrocínio. Mas nossas investigações já mostram a sistemática dos crimes. Os furtadores agem basicamente de três formas: de bicicleta, para atacar o transeunte que está falando ou manuseando o celular; em vias de grande circulação, quando eles quebram os vidros dos carros; e em locais de aglomeração, como shows e em transportes públicos.
Não vai ser fácil encontrar todos os donos dos aparelhos.
Algumas centenas de aparelhos já ligamos aos boletins de ocorrência. Agora vamos entrar em contato para as pessoas virem aos poucos. Tem vindo muita gente aqui para saber se o celular dela está na lista. Mas estamos dizendo que não dá para todos virem de uma vez.
Não existe local público em que as pessoas possam ficar à vontade com o celular?
Pelo que evidenciamos, não. É preciso que a pessoa tome medidas para evitar que isso ocorra. O celular é o objeto de desejo dos ladrões, tanto pelo valor agregado quanto pelo fato de ser de fácil transporte. Hoje, em qualquer lugar tem que ligar o alerta quando for usar o celular, seja em parque, na via pública, transporte com aglomeração. Esse é o crime da distração.
Quando a polícia faz grandes apreensões, como a que o senhor fez, mas logo vemos que os casos continuam ocorrendo em nossa cidade, não lhe dá a impressão de que vocês estão enxugando gelo?
Esse é um tipo de crime relativamente recente. O poder público se mobiliza, pois o número de apreensões é muito grande. Neste ano o Deic já recuperou quase 5 000 celulares. Entendo que cada um fazendo a sua parte, em que pese a demanda ser muito alta, minimiza e melhora o problema. Esse é também o crime do momento. Já tivemos vários crimes do momento, como extorsão mediante sequestro, o “sequestro do Pix”, entre outros. O poder público se mobiliza e as estratégias minimizam (o problema).
Por que a Rua Guaianases se transformou na rua temática dos crimes?
Temos na cidade a rua das motos, das noivas e agora a dos celulares roubados. Primeiro é a questão geográfica. Como os crimes ocorrem majoritariamente no Centro, os criminosos querem logo se desfazer dos telefones, para evitar o flagrante. A segunda causa: boa parte dos receptadores são estrangeiros. Quando eles vão fazer uma locação, há muita dificuldade por causa de documentos e fiadores. Presumimos que tenham encontrado meios de facilitação de locação nesses arredores.
Para onde iriam os celulares apreendidos?
Uma parte eles desmontam e separam as peças. Apreendemos um equipamento que era usado para isso. Eles acabam vendendo para locais que dão manutenção. Outros que podem ser desbloqueados, com o auxílio de softwares específicos, são colocados no mercado. Eles desbloqueiam todos os tipos de aparelho, mas os mais atuais são os mais difíceis de ser desbloqueados, devido à atualização da segurança. A terceira vertente é para enviar os celulares para fora do país, principalmente para o Senegal.
Por que Senegal?
Porque os IMEIs (uma espécie de identidade dos aparelhos) bloqueados aqui não são bloqueados lá. E, quando os aparelhos chegam ao país africano, é como se eles estivessem novos, sem a evidência de crimes. Um dos dois presos na terceira operação, um senegalês, enviaria os aparelhos para lá.
O senhor foi deslocado da sua delegacia, a antipirataria, para atuar no caso dos celulares. Quando retoma as atividades de sua atribuição diária?
Nunca paramos. Até o fim do ano teremos pelo menos três operações contra a pirataria na cidade. Neste ano apreendemos mais de 7 milhões de itens, uma alta de 6% em comparação com 2022. E ainda teremos as ações de dezembro.
Os itens de vestuário são historicamente os mais falsificados. Quais outros têm chamado atenção?
Equipamentos eletrônicos, como caixinhas bluetooth, além de medicamentos, suplementos alimentares, cosméticos e até rolamentos para rodas de carros.
Publicado em VEJA São Paulo de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870