O número de paulistanos que tiveram a carteira de habilitação suspensa mais que dobrou nos últimos três anos. Segundo dados do Detran, foram 426 000 motoristas entre 2014 e 2016, o equivalente a quase 10% dos condutores da capital. Na semana passada, descobriu-se que João Doria faz parte do clube. Ele perdeu temporariamente a permissão para dirigir por ter sido multado cinco vezes entre novembro de 2014 e junho de 2015, acumulando 23 pontos (3 a mais, portanto, que o limite), segundo revelou o repórter Rogério Pagnan na Folha de S.Paulo.
Em seu prontuário constam infrações cometidas a bordo de três carros particulares: um Audi, um Porsche e um BMW. Quatro delas, de 4 pontos cada uma, são de gravidade moderada (três por transitar acima da velocidade em até 20% e uma por manobra arriscada). A última é “gravíssima”, porque o veículo avançou o sinal vermelho. Com isso, sua CNH ficou suspensa entre 13 de janeiro e 12 de março. Até hoje, a situação não foi regularizada, pois ele não cumpriu a burocracia necessária para reaver o direito de dirigir, o que inclui participar de curso de reciclagem.
Políticos que cometem deslizes ao volante não costumam dar boa notícia. Em abril de 2011, o senador Aécio Neves foi parado em uma operação no Rio de Janeiro. Recusou-se a fazer o teste do bafômetro e apresentou a CNH vencida. E o senador e ex-jogador Romário já foi autuado quatro vezes ao ser parado em blitze no Rio e se negar a fazer o teste do bafômetro. Em 2015, teve a carteira suspensa por um ano por “dirigir sob influência de álcool”.
No caso de Doria, que adotou em sua gestão na cidade o slogan “Acelera, São Paulo”, o constrangimento ocorreu pelo fato de o prefeito ter criticado duramente na última campanha municipal a indústria das multas e ter sido o responsável pela volta dos maiores limites de velocidade nas marginais Tietê e Pinheiros. Considerando-se a questão da CNH irregular por excesso de infrações, teria ele legislado em causa própria?
Em entrevista a VEJA SÃO PAULO, Doria reconheceu o erro, confirmou as multas e assumiu que, em algumas das vezes, era ele quem estava ao volante. “Na maioria delas, porém, foi o meu motorista”, afirmou. “Em duas ocasiões, inclusive, eu estava no exterior. O Detran reconheceu isso, mas, como fiz a contestação fora do prazo, não tive os pontos retirados.” Ainda assim, nenhum motorista foi demitido nem sequer levou bronca pelo ocorrido. “Se eu assumi, a responsabilidade é minha”, explica.
No período sem carteira, ele conta que não pegou no volante por aqui. Em uma viagem ao exterior, porém, realizou um test drive com um carro esportivo e acelerou a 210 quilômetros por hora no circuito de Abu Dhabi. O prefeito garantiu que o episódio da CNH nada teve a ver com a revisão da velocidade das marginais. “A decisão foi amparada em estudos e análises técnicas, e não na minha conveniência ou de quem quer que seja”, disse.
Quatro meses após a troca das placas nessas vias, o número de desastres aumentou. Segundo dados da Polícia Militar, registraram-se ali 503 batidas, 48% mais que em 2016, e dez pessoas morreram (alta de 67% em relação ao mesmo período do ano anterior). “A multiplicação dos problemas nesses meses não foi uma coincidência”, entende o engenheiro e consultor de trânsito Sérgio Ejzenberg.
“O traçado das marginais não é compatível com a velocidade de 90 quilômetros por hora.” Segundo Doria, não há motivos para rever a política. “Não há correlação alguma entre uma coisa e outra. Acidentes sempre existiram nas marginais, assim como em outras ruas e avenidas. Além disso, nenhuma das ocorrências fatais neste ano nas duas vias originou-se de excesso de velocidade”, rebate. “Metade delas ocorreu nos horários de pico, em que a velocidade dos carros fica em torno de 40 a 50 quilômetros por hora.”
Em maio, a CET passou a proibir a circulação de motos na pista central da Marginal Tietê das 22 às 5 horas, com o objetivo de evitar acidentes envolvendo esse tipo de veículo. Polêmicas das marginais à parte, o prefeito tomou uma nova decisão relacionada ao trânsito: vai fazer o processo para reaver a habilitação nas próximas semanas. “Quem marca a data é o Detran, mas acredito que vai ser até o fim de junho ou, no máximo, início de julho”, diz.
Cerco aos motoristas
Explosão no número de multas na cidade gerou uma quantidade recorde de paulistanos com pontuação acima do limite
“Quero fazer o exame neste mês”
Em entrevista a VEJA SÃO PAULO, o prefeito admitiu que era o condutor do carro em algumas das ocasiões e prometeu regularizar tudo nas próximas semanas
O senhor já teve a carteira suspensa antes?
Não. É a primeira vez.
Como está sendo seu dia a dia sem a habilitação?
Sempre dirigi pouco. Então, não mudou muita coisa. Como prefeito, tenho de ter motorista. Ele é também meu segurança.
Mesmo nos fins de semana, em momentos de lazer, não pega no volante?
Nesses dias eu trabalho, tanto no sábado como no domingo. A prefeitura aqui não tem fim de semana.
Nem um jantarzinho à noite?
Não tenho tido muito tempo para jantar, exceto em compromissos da prefeitura. Mas, quando tenho algum evento pessoal, utilizo também o motorista.
No momento das infrações, quem estava dirigindo? Seu motorista ou o senhor?
Tenho vários carros na minha casa. Ao longo de um ano, certamente em algum momento eu estava dirigindo, sim. Mas, na maioria dos casos, era o motorista. Em duas ocasiões, eu estava no exterior. O Detran reconheceu isso, mas, como fiz a contestação fora do prazo, não tive os pontos retirados.
O senhor deu bronca no motorista?
Não, pelo seguinte: se eu assumi, o ônus é meu. Não divido responsabilidade. E vou cumprir meu papel como cidadão. Não quero nenhum tipo de privilégio. Acho bom deixar claro que meu caso é o mesmo de outros milhares milhares de pessoas. É bom lembrar também que, quando recebi essas multas, eu ainda não era prefeito.
O que fará agora?
Vou fazer o curso de reciclagem e o exame para recuperar a habilitação porque já cumpri o prazo de três meses sem dirigir. Quem marca a data é o Detran, mas deve ser ainda neste mês.
Das multas que levaram à suspensão da sua carteira, alguma foi nas marginais?
Teve também. Não sei dizer quantas, mas algumas foram nas marginais e outras, fora delas.
A decisão de aumentar a velocidade nas marginais teve algo a ver com suas infrações?
Não há nenhuma correlação entre uma coisa e outra. A medida é baseada em estudos, e não na conveniência do prefeito ou de quem quer que seja.
Estatísticas mostram aumento no número de acidentes nessas vias após a elevação da velocidade. Pretende rever a política?
Não há nenhuma correlação entre uma coisa e outra. Acidentes sempre existiram nas marginais, assim como em outras ruas e avenidas. Além disso, nenhuma das ocorrências fatais neste ano nas duas vias foi originária de excesso de velocidade. Metade delas ocorreu nos horários de pico, em que a velocidade dos carros fica em torno de 40 a 50 quilômetros por hora. Essa é outra ilação que não procede. Não pretendo rever a política, porque tecnicamente ela continua sustentada.