Eles são uma mistura de sherlock holmes e professor Pardal. Chamados para elucidar episódios como o desabamento do canteiro de obras da futura Estação Pinheiros do Metrô, em janeiro de 2007, os profissionais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) ficaram conhecidos do público pelo trabalho de apoio a investigações policiais. São eles os responsáveis por laudos técnicos que explicam as razões de diversos acidentes. Também ajudam a evitar tragédias maiores. No fim do ano passado, por exemplo, estiveram em Santa Catarina apontando os terrenos com risco de deslizamento por causa das chuvas torrenciais que assolavam o estado. Embora esse tipo de atuação salte aos olhos, ele revela apenas uma pequena parte do cotidiano do IPT, instalado em uma área do tamanho do Estádio do Morumbi, dentro da Universidade de São Paulo.
Atualmente, seus 1 200 pesquisadores – um terço com pós-graduação – trabalham em 246 linhas de estudo, divididos em trinta laboratórios tão distintos como os de engenharia naval, segurança, combate a incêndio, acústica e automação, entre outros. São realizados ali desde estudos simples, como lavar roupas em máquinas domésticas para medir a resistência de tecidos, até testes bastante complexos, a exemplo dos que verificam a resistência de embarcações. Além de avaliar o impacto ambiental de obras públicas como o Rodoanel, o IPT está envolvido em pesquisas milionárias em parceria com as indústrias de cosméticos, aviação e exploração de petróleo. Os contratos com empresas são responsáveis por 70% do orçamento anual do instituto, por volta de 110 milhões de reais.
No ano passado, o IPT deu início a um grandioso plano de expansão. Recebeu 120 milhões de reais do governo estadual, ao qual é vinculado, para ampliar e modernizar cinco de seus doze centros de pesquisa até 2010. Obteve mais 32 milhões de reais do BNDES e das agências de fomento Finep e Fapesp para criar duas unidades no interior do estado, em Piracicaba e em São José dos Campos. A primeira vai pesquisar formas mais eficientes de obter etanol a partir do bagaço da cana-de-açúcar, para estimular a exportação; e a segunda, novas matérias-primas a ser utilizadas em aviões. A Petrobras aplicou 11 milhões de reais no laboratório de corrosão, que tem como uma de suas missões encontrar um jeito de reduzir o desgaste nos dutos por onde o petróleo é transportado. “Passamos por um momento singular”, diz o presidente do IPT, o engenheiro mecânico João Fernando de Oliveira. “Vamos investir neste ano o equivalente à soma das melhorias das duas décadas anteriores.”
Nascido como um departamento da Escola Politécnica da USP, o IPT completou em junho 110 anos – 65 de vida independente da universidade. Desde os primórdios, já tinha uma orientação voltada para o mercado. Seus principais estudos destinavam-se à indústria da construção civil. Pesquisava-se, por exemplo, qual a quantidade de aço apropriada para subir uma coluna de concreto (até 1913 não se usava esse material para a construção de edifícios, apenas tijolos). Numa fase posterior, o instituto chegou a fabricar 10 000 granadas para apoiar a Revolução Constitucionalista de 1932. Na década de 50, desenvolveu projetos para a Companhia Aeronáutica Paulista, cuja dona era a família do empresário e playboy Fran-cisco “Baby” Pignatari. Desde então, foi ampliando suas divisões de pesquisa. É difícil encontrar uma obra de infraestrutura no estado que não tenha ao menos um parecer dos técnicos do IPT, que hoje ganham salários entre 5 000 e 9 000 reais por mês.
Muitos dos ensaios realizados ali demandam parafernálias de grandes dimensões. É o caso do túnel de vento, com 24 metros de extensão, capaz de determinar o melhor formato e a resistência do material empregado numa construção. Antes de ser aprovado, o projeto do telhado ondulado do novo santuário do padre-cantor Marcelo Rossi, em Interlagos, teve de passar por uma batelada de avaliações. “Recentemente, nós usamos o túnel para estudar a concentração de poluentes em Higienópolis”, conta o engenheiro Fabio Souza, mostrando a maquete que representa o conjunto de prédios do bairro. O túnel tem em uma de suas pontas uma turbina capaz de soprar uma corrente de ar de até 72 quilômetros por hora. Ao encontrar obstáculos, o vento muda de direção e de velocidade. Tais alterações são captadas pelos feixes de raio laser e transmitidas a um sistema de computador. “Dá para verificar redemoinhos e locais com baixa circulação de ar,” explica Souza.
No Centro de Engenharia Naval e Oceânica, réplicas de embarcações e plataformas de petróleo são postas na água para saber se não vão a pique com qualquer marolinha. O tanque, semelhante a uma raia de piscina, tem 280 metros de comprimento e um gerador de ondas para reproduzir o balanço do mar. Um dos grupos de cientistas desenvolve técnicas para extrair petróleo em alto-mar, na camada pré-sal. Outro laboratório que impressiona é o de segurança nas construções. Nele, há vários ambientes preparados para ser incendiados. Pelos fornos passam tecidos, tintas e outros materiais inflamáveis. Labaredas testam se portas corta-fogo realmente funcionam. Fica ali ainda a câmara reverberante, que conta com rebatedores sonoros e microfones pendurados no teto para estimar a propagação do som, além do espaço destinado para a prova de chuveiros e torneiras elétricas. O IPT tem parceria com a Eletrobrás para medir a eficiência de equipamentos elétricos, como chuveiros e aspiradores, e conferir-lhes um selo advertindo o consumidor para seu dispêndio de energia.
Embora as pesquisas que lançam mão de maquetes e simulações sejam as maisprocuradas, a ideia é, com o tempo, aumentar os estudos feitos com máquinas e modelos no computador. “Até o ano passado, eu levava três meses esculpindo a réplica de um navio”, lembra o projetista Ademir de Souza. “Agora, um robô faz o molde em três dias.” A bioquímica Maria Filomena Rodrigues, chefe do laboratório de biotecnologia industrial, está animada com o interesse das indústrias farmacêutica e de beleza em sua área de trabalho. “Recebemos novos microscópios e estamos entrando com força no segmento de nanotecnologia”, diz ela, referindo-se ao ramo da ciência que busca a manipulação precisa de objetos do tamanho de átomos ou ainda menores. Entre outras promessas, deve ocorrer uma revolução nos cremes de rejuvenescimento. “Podemos até ser mais conhecidos pelo trabalho de perícia em tragédias”, afirma Wilson Iyomasa, um dos coordenadores do grupo que atuou nas investigações das causas do acidente na futura Estação Pinheiros do Metrô. “Mas o importante é que sejamos, em qualquer situação, como inspetores: sempre técnicos e isentos.”
Algumas das façanhas do IPT
Situações que tiveram consultoria dos técnicos do instituto
TRÂNSITO
Pedágios automatizados. Especialistas definiram o protocolo de comunicação entre o tag colado ao para-brisa dos veículos e a cancela, que se abre automaticamente
Radares de velocidade. Coube aos técnicos avaliar o desempenho de várias tecnologias, para ver qual era a mais confiável, antes da compra dos equipamentos pela prefeitura
Obras do Rodoanel. O IPT supervisiona o trabalho de desmatamento durante a construção do trecho sul, para minimizar danos ambientais
PRODUTOS
Livros didáticos. Com testes de microscopia e manipulação, avaliam-se a resistência da capa, a qualidade do papel e da impressão. No mínimo, um livro deve durar três anos
Gasolina. O IPT recebe amostras de combustível dos fiscais da Agência Nacional do Petróleo. No ano passado, 3 500 postos do estado foram monitorados. A iniciativa resultou em 289 autuações
Eletrodomésticos. O laboratório é certificado para testá-los segundo padrões definidos pelo Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel)
TRAGÉDIAS
Cratera do Metrô. Um grupo de dez especialistas trabalhou por dezoito meses desde o acidente, em janeiro de 2007, para produzir o laudo que elencou as falhas das empreiteiras no cumprimento do projeto e na fiscalização por parte do Metrô
Incêndios no Hospital das Clínicas. Os dois episódios quase seguidos, em dezembro de 2007 e janeiro de 2008, e as causas apuradas pelos inspetores do IPT indicam que o incêndio teve motivação criminosa
Deslizamentos em Santa Catarina. Uma equipe de sete geólogos e engenheiros ajudaram os bombeiros, em novembro do ano passado, a saber onde podiam escavar ou descer com helicópteros para procurar vítimas