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Gucci completa noventa anos

De fábrica de acessórios de couro a império de estilo, a grife do duplo G (de Guccio Gucci) seduz celebridades de ontem e de hoje

Por Simone Esmanhotto, de Scandicci
Atualizado em 5 dez 2016, 17h52 - Publicado em 6 ago 2011, 00h50
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  • Tem sido um ano agitado para essa nonagenária cosmopolita. Em janeiro, ela recebeu a princesa Charlotte Casiraghi, a top model (a loira de Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino) Diane Kruger e a atriz Jessica Alba, entre seletos convidados, na reabertura de sua loja de 2.150 metros quadrados na Rue Royale, em Paris, recauchutada do chão ao teto. Em março, lançou em Seul sua loja virtual para os sul-coreanos e emprestou o longo com saia de plumas de avestruz de sua linha de alta-costura para a atriz Hilary Swank vestir na entrega do Oscar, em Los Angeles.

    Em Roma, apresentou sua nova bolsa: a New Bamboo, releitura do modelo criado em 1947. Em abril, comandou a cascata de exibições, em cinemas de Hong Kong, São Francisco e Nova York, de La Dolce Vita, uma das obras-primas do italiano Federico Fellini cuja restauração, sob o comando do diretor Martin Scorsese, ela financiou. Em junho, mostrou a segunda coleção de roupas para bebês e crianças de 2 a 8 anos. No mês passado, inaugurou em Kyoto uma mostra com os principais artigos de couro (de carteiras a malas) de sua trajetória.

    O momento mais esperado de 2011 — ano em que completa nove décadas de existência — virá, no entanto, em setembro. É quando a grife italiana mais valiosa do mundo (sim, a fama internacional garante que ela seja mais memorável que a Ferrari — e avaliada em mais do que o dobro dos 6 bilhões de reais da escuderia, de acordo com o ranking da consultoria Interbrand) abre, em sua cidade de origem, um museu em causa própria: Museo Gucci. “Queremos mostrar ao público como nosso legado é relevante e autêntico”, disse o CEO da grife, Patrizio di Marco (veja a entrevista completa em https://www.vejasp.com.br/luxo).

    Espera-se para essa première histórica uma legião de gliteratti (leia-se os ricos e famosos sempre presentes nas festas mais badaladas do mundo), transformando Florença numa espécie de ponto de encontro da realeza de Hollywood a Mônaco, que veraneia na Costa Amalfitana e esfria a cabeça esquiando nas montanhas suíças de Gstaad — com malas Gucci a bordo. “Somos leais ao nosso ateliê de Florença porque é dali que vêm os valores da manufatura, o legítimo made in Italy.”

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    O ateliê ao qual Di Marco jura fidelidade fica a 12 quilômetros do centro da capital toscana, na cidadezinha de Scandicci. Conhecida como Casellina, a fábrica é o coração da marca italiana. Nesse endereço surgem cada protótipo de produto, cada alça de bambu, cada mala rígida feita com o canvas monogramado (chamado de Guccissima), cada bolsa de couro exótico — píton e lézard da Indonésia, crocodilo do Mississippi, do Nilo e da Austrália. Ali, funcionários vestidos de guarda-pó branco, com Gucci bordado em cinza ou dourado sobre o bolso no lado esquerdo do peito, estão alheios ao zunzum e aos flashes. Apenas trabalham, concentrados no produto.

    Desde que se sentou na cadeira da presidência, em janeiro de 2009, Di Marco entendeu que a fortunada empresa morava nessa mão de obra especializadíssima. A habilidade dos artesãos — tornear e escurecer com maçarico a raiz de bambu importada do Japão para fazer de alças de bolsa a joias, martelar com precisão milimétrica 1.496 tachas douradas no acabamento de um baú, inventar um tingimento capaz de renovar a cara do couro de avestruz, entre outras centenas de aptidões que envolvem o feito a mão — é a arma para enfrentar a concorrência da produção industrial e justificar, em tempos de cintos apertados, a compra de uma bolsa de 30.000 reais. “Nunca pensei em reinventar, reposicionar ou melhorar a marca”, diz ele.

    Quando assumiu o posto, a Gucci — grife em torno da qual se formou o braço de luxo do conglomerado francês PPR, dono de Yves Saint Laurent e Bottega Veneta, entre outras — acumulava um crescimento de 46% no faturamento nos últimos anos. Já estava estabelecida como a segunda marca AAA mais querida do mundo — atrás apenas da Louis Vuitton, um gigante pelo qual, se decidisse colocá-lo à venda, o empresário francês Bernard Arnault poderia pedir 50 bilhões de reais (Arnault bem que tentou comprar a Gucci, mas a perdeu para François Pinault). “Descobri que era preciso apenas entrar em compasso com a nossa tradição, lado que andava um pouco esquecido”, completa Di Marco. Essa tradição começou em 1921, com Guccio Gucci (daí o duplo G).

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    Nascido em Florença, Guccio escapou de herdar a fábrica falida de chapéus de palha do pai, Gabriello, arrumando as malas e indo para Londres em 1897. Na capital inglesa, descolou um emprego de lavador de pratos, aos 17 anos, no Hotel The Savoy, favorito do escritor Oscar Wilde e onde o ator Laurence Olivier conheceu a atriz Vivien Leigh. Guccio ficou tão embasbacado com as malas dos viajantes cinco-estrelas que decidiu ganhar a vida oferecendo a essa parcela cosmopolita e glamourosa da humanidade as melhores malas do mundo. Retornou à cidade natal em 1902 e arranjou uma vaga na Franzi, que fazia artigos de couro. Dezenove anos depois, abria a primeira loja com seu sobrenome na fachada, na Via Vigna Nova.

    Pedir a bênção à tradição do patriarca tem se mostrado eficaz. A Gucci fechou 2010 com um faturamento de 6 bilhões de reais — 22% maior que o do ano anterior. Esse sucesso está diretamente ligado a um relacionamento intenso entre a estilista Frida Giannini e os artesãos de Casellina. Frida foi designer de acessórios da Fendi, outra marca que se gaba de escrever made in Italy nas etiquetas. Entrou na Gucci como designer de bolsas em 2002. Na época, o americano Tom Ford já dividia os louros com o então presidente da empresa, Domenico de Sole, por ter salvado a Gucci da morte financeira e, principalmente, da má reputação — causada por décadas de disputa familiar até culminar com o assassinato do último Gucci a comandar a marca.

    O neto de Guccio, Maurizio, foi morto, a mando da ex-mulher, Patrizia Reggiani, em 1995, pondo fim a um enredo marcado por glória, fama, dinheiro e inveja. Tom Ford se responsabilizava pelas roupas femininas e masculinas e pelos acessórios desde 1994. Foi ideia dele relançar, em 2000, a bolsa favorita de Jacqueline Kennedy na época de primeira-dama dos Estados Unidos e desde 1961 chamada de Jackie.

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    Com uma combinação de coleções audaciosas — cheias de roupas de seda, brilho e couro — e campanhas publicitárias com cenas de alta voltagem sexual, ele causou o barulho mais do que necessário para reavivar a quase finada Gucci. Ao deixar a empresa, uma década mais tarde, a marca já reconquistara seu lugar nos closets importantes mundo afora. O relançamento da Jackie mostrava que havia muito espaço ainda para ocupar os ombros mais estrelados.

    É o que Frida tem feito desde que substituiu Ford, em 2005. Sua primeira investida foi apresentar, em forma de bolsa, a estampa Flora, inventada para colorir um lenço criado especialmente para a princesa Grace Kelly. Quando Frida tem uma ideia no seu estúdio, na sede da grife, em Roma — entre as mais recentes está usar em bolsas pedaços de couro de crocodilo com marcas de mordidas e resquícios de briga —, é a equipe de Casellina que ela aciona. A expertise em couro tem sido cada vez mais aproveitada também no prêt-à-porter. Blazers de píton, por exemplo, destacam-se na coleção feminina, nas lojas brasileiras (no Shopping Iguatemi de São Paulo e na Daslu) em setembro.

    Frida ainda é notória garimpadora de mercados de pulga e brechós — e a síndrome de Indiana Jones vale igualmente para o enorme arquivo Gucci, que ela consulta sempre e agora vem à tona para o público. “Ela respeita o passado, mas sabe inovar”, resume Di Marco. Aos poucos, o acessório vai tomando o lugar de protagonista no lugar da roupa. É um curioso movimento de inversão da lógica da moda, que nas duas últimas décadas obrigou marcas notórias do mundo do couro — a também florentina Salvatore Ferragamo, por exemplo — a apostar na confecção para se tornar relevante. Com a abertura do museu em Florença, espera-se que o mergulho na herança ponha ao alcance das mãos novos objetos de desejo. A Gucci, então, será mais Gucci do que nunca.

     

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