Tomado por mansões, carros de luxo e seguranças, o Jardim Paulista é célebre por ser um dos bairros com o metro quadrado mais caro da capital. Nas redondezas moram personalidades como Chiquinho Scarpa, o político Paulo Maluf e empresários de peso. E, nos últimos dois meses, também a feirante Eva Ferreira, de 85 anos, cujo último endereço foi a Rua Maciel Parente, um beco sem asfaltamento no Ipiranga. A casa onde reside agora fica em um terreno de 310 metros quadrados na Rua Honduras. Eva divide o espaço desde abril com outras 26 pessoas, todas orientadas pela Frente de Luta por Moradia (FLM). “Aqui só não dorme quem não quer, é um silêncio total”, elogia a feirante.
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O local possui três quartos (uma suíte), três salas, duas cozinhas, garagem, quintal e edícula. Segundo a imobiliária Elite Properties, com oito residências à venda na mesma rua, os preços por ali variam de 3 a 6 milhões de reais. Como a moradia invadida pelos sem-teto tem problemas de conservação (estava abandonada havia sete anos), calcula-se que seu valor de mercado seja em torno de 1,5 milhão de reais.
Responsável pela ocupação, a FLM costumava fazer ações do tipo no centro da cidade. É a primeira vez que a associação age em uma área nobre da capital. No caso da Mansão Honduras, como o lugar está sendo chamado, o objetivo é transformá-la em um retiro para idosos que não têm onde viver. “Nossos velhinhos precisam de um canto sossegado”, afirma uma das coordenadoras da entidade, Maria do Planalto. Os 27 moradores e alguns voluntários do grupo dormem em colchões esticados no chão e tomam banho de balde com água aquecida no fogão.
Doada em 2008 à Unifesp após a morte da proprietária, Maria Apparecida Madeira Kerbeg, a casa permaneceu vazia até a chegada dos invasores. O plano da instituição era levar o imóvel a leilão ainda neste ano, o que não será possível por causa da ocupação. Pró-reitor adjunto de planejamento da universidade, Pedro Fiori participou em maio de uma reunião com a FLM, na qual os integrantes da associação lhe disseram que sonhavam viabilizar a compra do imóvel com a ajuda do financiamento do programa de habitação popular do governo federal, o Minha Casa Minha Vida. Um projeto arquitetônico encomendado pelo movimento propõe uma reforma para a criação de dez moradias independentes com espaço para trinta idosos. “A demanda é legítima e, se eles conseguirem os recursos, podemos conversar”, diz Fiori. A despeito do discurso conciliador, a instituição entrou na Justiça, em maio, com um pedido de reintegração de posse, que foi julgado favorável à Unifesp no fim do mesmo mês. Mas o despejo ainda não tem data marcada para acontecer.
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Enquanto isso, a FLM está de olho em outras possibilidades no bairro. Ao passearem pelos arredores, integrantes do grupo identificaram várias residências abandonadas. “Já contamos umas sessenta com potencial para se tornar ocupações”, diz o bancário Ivan Sá, um dos voluntários. O mecanismo para o “reconhecimento do território” é sempre o mesmo. “Quando observamos uma casa pichada, suja e com vidros quebrados, acendemos o nosso alerta”, conta Maria do Planalto. “Para ter certeza de que está vazia, pedimos pizza e conferimos se alguém a recebe.”
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A possibilidade de que casos similares se espalhem pelo pedaço anda tirando o sono dos moradores antigos. “Por que não vão para o Glicério ou o Parque Dom Pedro?”, questiona a empresária Sandra Taliberti, há 34 anos na região, instalada a poucos passos da Mansão Honduras. Segundo ela, o receio com os sem-teto afetou a rotina de sua família, que passou a utilizar mais os carros para circular pela rua. “A ocupação acaba desvalorizando meu imóvel. Recebi uma visita que achou um horror todas aquelas faixas penduradas”, conta Sandra, a respeito da sinalização colocada na fachada do local pela FLM.
Acionada cerca de cinquenta vezes desde a mudança indesejada, a associação de moradores do bairro, a AME Jardins, solicitou a intervenção da subprefeitura de Pinheiros. Os invasores também têm suas reclamações. De acordo com eles, o lixo da residência não está sendo recolhido pelos caminhões que realizam a coleta na região. Eles suspeitam que seja uma represália à sua presença na área. “Parece que não gostam de lixo de pobre, só do de rico”, reclama Sá.