A cada três meses, Poupie Cadolle, uma francesa redondinha e bem-humorada, de cabelos loiros e óculos sempre ao alcance das mãos, deixa Paris e voa na primeira classe rumo a Nova York. Sua bagagem contém peças que apenas alguns homens verão e tocarão — calcinhas, sutiãs e corseletes, por exemplo. Antes, porém, esses itens seguirão para uma suíte de algum hotel estrelado de Manhattan. “Não o Plaza, cujos quartos são apertados”, diz ela, que prefere divulgar o endereço exato apenas para sua clientela. Tanta discrição deve-se ao tipo de produto com que Poupie trabalha: lingerie de alta-costura. Foi esse o sustento das últimas cinco gerações de sua família, responsável pela exclusiva, cara e cobiçada grife Cadolle. “Fazemos tudo à l’ancienne”, diz. Ou seja, à moda antiga, como de praxe nas maisons francesas.
Na prática, isso significa “feito a mão”, do corte ao arremate, por uma única das 24 artesãs da empresa. É o oposto da linha de montagem industrial, em que se fabrica cada parte da lingerie (alças, elástico, busto…) num setor diferente, processo que dura quinze minutos. Nada parecido com o tempo necessário para que comece a ganhar forma o sutiã, a peça considerada best-seller da Cadolle. Até estar liberado para a primeira prova no corpo da cliente, ele demora quarenta horas. E, depois, de seis a oito semanas para ser finalizado — são produzidos apenas 600 por ano. Preço médio? 1.400 reais o sutiã. “Trabalhamos de maneira lenta, estudando a melhor combinação de estética e engenharia para cada encomenda. A parte técnica é de enlouquecer: meio centímetro pode mudar tudo para melhor ou para pior”, afirma Poupie. Esse ritmo se altera somente quando surgem situações de emergência, como uma noiva que precise de enxoval em tempo recorde. “Nesse caso, paramos o ateliê para atendê-la.” Sem custos adicionais, garante a proprietária da marca.
As visitas aos Estados Unidos servem para outra etapa essencial da confecção de alta-costura: as provas. Além de pedidos feitos em viagens anteriores, Poupie carrega cadernos para anotar minuciosamente as medidas das mulheres que recebe em sua suíte de hotel. E também amostras dos mais nobres tules e rendas franceses. Tudo será ajustado conforme as curvas (e retas, em alguns casos) da silhueta das clientes, tal e qual um Valentino ou um Dior daqueles que deixam a gente babando. De volta a Paris, ela dá expediente no número 255 da Rue St. Honoré, perto da Colette, a butique mais cult da cidade, da perfumaria Jo Malone e da Gucci. Entrar ali, só com horário marcado previamente. No mínimo, dois dias de antecedência.
Americanas, seguidas das russas e das árabes, são as consumidoras número 1 desse ateliê aberto em 1889 e que permanece um dos raríssimos a fazer lingerie sob medida. Ali, não é difícil encontrar uma francesinha endinheirada que aprendeu em família os benefícios de mandar fazer um sutiã exclusivo, a mulher de um barão belga que deseja o brasão do marido bordado a mão nos corseletes ou a nora de um presidente africano no salão de provas, como aconteceu durante a visita de VEJA SÃO PAULO — essa última, aliás, sacou da bolsa dez notas de 100 euros e pagou uma das parcelas de um modelador que encomendara. “Assim fico magrinha sob os vestidos de festa”, comentou ela, que não quis de jeito nenhum contar seu país de origem.
Todas as medidas ficam arquivadas. Hoje, são 3.000 clientes “na ativa”, que encomendam peças pelo menos a cada três anos. Poupie chegou a se desfazer de 15.000 arquivos de mulheres atendidas por suas ancestrais. A empresa foi fundada por Herminie Cadolle, considerada uma das criadoras do sutiã — há quem dê o crédito à americana Mary Phelps. Caixas de couro acomodam vários conjuntos produzidos ao longo do século XX, receitas de bordados feitos a mão, além de corseletes que podem datar facilmente do século XVIII e ser adaptados para os parâmetros da moda atual. “As mulheres nos procuram ou por não encontrar peças que sirvam direito ou por desejo de algo sexy, divertido e único”, diz Patricia Cadolle, 32 anos. Filha de Poupie, ela se prepara para suceder a mãe. “Aqui, estamos atrás do seio ideal, que não tem a ver com a moda dos arredondados por espumas de hoje em dia: basta levantar um pouquinho e fazer um discreto apontar para a frente.”
Frequentemente, maridos e namorados não só participam da prova como indicam seus desejos. As Cadolle colecionam histórias saborosas. O desafio mais recente veio de Los Angeles, de uma habituée que, após ficar viúva, aos 64 anos, conquistou novo amor. O namorado enviou um desenho de calcinha que gostaria de ver no corpo dela no próximo encontro — entre outras especificações, o modelo desejado não tinha fundilho. “Vamos levar quatro meses para terminar”, diz Poupie, rindo. Como boas francesas, as Cadolle acham tudo natural e vão dos pedidos caretas aos atrevidos sem abrir mão da melhor seda, da mais fina renda e do bordado inglês que parece saído dos sonhos.