Na Rua Líbero Badaró, a porta de ferro estreita do número 336 divide o espaço da calçada com a tradicional Mercearia Godinho, o histórico Edifício Sampaio Moreira, pombas e alguns botecos pés-sujos. Desde o último sábado (6), porém, a circulação de artistas e gente descolada pelo 3º andar do prédio trouxe um novo astral ao ambiente. O burburinho é causado pela recente inauguração da Tag Gallery, lugar dedicado à arte urbana. No comando da empreitada está o curador Billy Castilho, ex-sócio da Tag and Juice, misto de galeria e loja de bicicletas que fechou as portas no começo do ano na Vila Madalena. “Senti a necessidade de estar em um local mais urbano e conectado com a cidade”, diz ele. A chegada do negócio reforça um movimento que vem ganhando fôlego nos últimos meses: jovens artistas estão optando pelo centro para abrir galerias, ateliês e escritórios. Além do espaço recém-inaugurado, a região conta com pelo menos outras dez iniciativas ligadas ao circuito alternativo de arte, como, por exemplo, o Estúdio Lâmina, a Red Bull Station e a Phosphorus.
Atraídos pelo preço mais baixo do aluguel — o metro quadrado para locação por ali custa 41 reais, em média, contra 72 reais em Pinheiros — e pela boa infraestrutura de transporte público, esses grupos realizam uma espécie de garimpo em busca de prédios que, por trás da sujeira e da degradação da fachada, escondem um interior interessante. Esse é o caso de uma das pioneiras na tendência, a Phosphorus. Desde 2011, o espaço sediado em um casarão de 1 000 metros quadrados do fim do século XIX na Rua Roberto Simonsen promove residências artísticas e exposições. “Quando entramos, o imóvel estava completamente em ruínas”, lembra a curadora Maria Montero. “Fizemos uma limpeza, trocamos o teto e pintamos os ambientes.” Em abril, ela inaugurou uma ala: a Galeria Sé, que representa artistas contemporâneos como Rafael RG e Gustavo Ferro. No mesmo prédio, ainda funciona a Casa Juisi, dedicada à moda e ao figurino.
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Na busca por uma integração maior com o centro, alguns artistas estão indo morar nos mesmos prédios que abrigam suas iniciativas. Foi o que ocorreu com o escultor Luciano Contraruas. Desde 2011, ele se transferiu para o 4º andar de um edifício na Avenida São João onde funciona o Estúdio Lâmina, que acolhe exposições de arte, fotografia e manifestações culturais. “Depois da minha chegada, muitos amigos artistas também se interessaram e se mudaram para outras salas e apartamentos do edifício”, conta. Outra iniciativa é a Red Bull Station, aberta ao público em novembro na Praça da Bandeira. Instalado em um prédio da década de 20 que pertenceu à Eletropaulo, o local tem como foco um estúdio de música e programas de residência artística. “Nosso interesse não é comercial, trata-se de um laboratório para novas ideias”, afirma Paula Borghi, curadora do projeto. Por ali, os visitantes podem passear pelas exposições, acompanhar os artistas trabalhando nos ateliês e participar de workshops gratuitos.
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Mesmo quem já estava consagrado em outros bairros resolveu pôr um pé no centro. Famoso pelo Instituto Choque Cultural, na Vila Madalena, o arquiteto Baixo Ribeiro abriu em maio um escritório no Farol, prédio próximo ao Largo do Paissandu. O ponto reúne no mesmo edifício outras empresas nas áreas de design, artes e jornalismo. Mesmo sem ser aberto ao público, o projeto de Ribeiro, batizado de Eduqativos, tem programas de formação de professores de arte e outras ações culturais. “Esta região sempre foi negligenciada, mas é a mais interessante da capital”, opina. “A agitação recente tem potencial para transformar o centro em um novo point de cultura.” Para profissionais do ramo, o circuito alternativo é essencial na renovação da área. “Os espaços independentes trazem uma oxigenação para o sistema: exploram outros formatos e criam um novo público”, opina Fernanda Feitosa, diretora da SP-Arte, a mais importante feira de arte do país.