Na semana passada, a Câmara Municipal deu fim a uma iniciativa cheia de boas intenções, mas que acabou manchada por acusações de irregularidades e muita polêmica. Depois de cinco anos de vigência, o programa de inspeção veicular na capital sofreu mudanças substanciais, motivadas por um projeto do prefeito Fernando Haddad. As mais importantes são a liberação da vistoria para os carros com até três anos de uso e a realização do teste bianual para aqueles com até dez anos, o que será implementado apenas em 2014: em 2013, o programa segue obrigatório para toda a frota. Outras alterações envolvem a inclusão de veículos com placas de fora de São Paulo, a possibilidade de outras empresas serem habilitadas a realizar o serviço no futuro (hoje a Controlar possui um contrato de exclusividade) e a extinção da cobrança da taxa de inspeção — serão tarifados apenas os veículos que forem reprovados no exame. Os detalhes para a aplicação das novas regras serão anunciados nos próximos dois meses.
Mudar a lei sobre o assunto era uma das principais promessas do novo prefeito. Já durante a campanha eleitoral, no segundo semestre de 2012, ele garantia que daria fim à cobrança da tarifa. A novidade mais recente, apresentada somente às vésperas da segunda votação na Câmara, na semana passada, envolveu a isenção dos veículos mais novos. Um projeto de autoria do vereador Gilberto Natalini (PV) e apresentado como alternativa ia em direção totalmente oposta: além de manter a obrigatoriedade para toda a frota, ampliava o número de vistorias anuais para alguns veículos considerados mais poluentes. Essa proposta acabou engavetada e a lei do Executivo foi aprovada sem emendas. “Não teve negociação ou discussão, a decisão nos foi empurrada goela abaixo”, diz o parlamentar. Na segunda (18), Haddad também anunciou a abertura de três processos administrativos contra a Controlar, cujo objetivo principal é encerrar o atual contrato de exclusividade com a empresa e permitir a entrada de outros interessados na realização do serviço, algo que está previsto no novo texto da lei.
Consórcio formado por três empresas, a Controlar nasceu em 1995 com o objetivo de vencer uma licitação do governo Paulo Maluf. Levou a melhor, mas o então prefeito não implantou a inspeção veicular. Em 2007, Gilberto Kassab queria trazer para a sua gestão a bandeira ecologicamente correta e decidiu pôr em vigor a vistoria. No primeiro ano de atividade, a Controlar arrecadou 177.453 reais com as taxas de inspeção. Esse valor teve um salto quase inacreditável: passou para 142,8 milhões de reais em 2012. Em cinco anos, foram vistoriados 10,8 milhões de veículos. “Temos hoje um contrato que vale até 2018”, diz o presidente Harald Peter Zwetkoff. “Se a prefeitura quiser encerrá-lo antes da hora, existe uma legislação que assegura uma indenização.” Sem revelar qual seria o montante da multa, ele afirma que a empresa investiu 200 milhões de reais na criação dos dezesseis centros de avaliação, sistema de call center e capacitação de mecânicos. “Fora isso, vai provocar uma insegurança no mercado, porque será a primeira vez que um consórcio terá contrato quebrado.”
A Controlar acendeu o sinal de alerta para Kassab. Uma parte do baixo índice de popularidade no fim de seu mandato se deve aos processos a que ele responde por causa da empresa. Em novembro de 2011, o Ministério Público Estadual acusou Kassab, o secretário Eduardo Jorge, da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, e a Controlar de uma fraude de 1,1 bilhão de reais. Segundo o órgão, o contrato firmado entre a prefeitura e o consórcio tinha uma série de irregularidades. Uma delas envolve o prazo de dez anos de duração do acordo. A Controlar contabiliza como data de início o ano de 2008, quando o serviço começou a ser executado. De acordo com o MP, o que vale é o momento da assinatura (1996). Com base nesse e em outros supostos problemas, o MP pediu em 2011 o afastamento de Kassab do cargo, o bloqueio de seus bens e a suspensão do contrato da Controlar. O então prefeito apresentou sua defesa, e o MP, até hoje, não declarou se aceitará as justificativas ou dará continuidade à ação.
Apesar da polêmica em torno do acordo com a companhia, especialistas apontam alguns avanços importantes obtidos com o programa. Em levantamentos realizados pelo Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, estima-se que só a inspeção nos veículos a diesel, em 2011, representou uma diminuição de 28% de material tóxico lançado no ar. Como a poluição é um catalisador de doenças cardiorrespiratórias, essa redução na emissão equivaleria a 584 mortes evitadas.
Nos Estados Unidos e em muitos países da Europa, a verificação obrigatória começou na década de 60. A Cidade do México se tornou um exemplo no combate à poluição. Em 1992, a metrópole tinha um dos ares mais irrespiráveis do mundo. O governo, então, elaborou planos para reverter o quadro: inspeção veicular a cada seis meses e rodízios em dois dias úteis por semana, o que provocou uma boa redução nos índices de poluição na capital mexicana. Em São Paulo, a prefeitura defende a tese de que a nova regra não significa um retrocesso na política, e sim um ajuste necessário no programa. “O que havia por aqui era um papa-níqueis, e nós acabamos com ele”, afirma Fernando Haddad. “Por trás disso existia apenas a vontade de criar privilégios para uma empresa.”