Na década de 80, Serra Pelada, na região sul do Pará, virou o maior garimpo manual do mundo. O imenso buraco aberto pelas escavações transformou-se num formigueiro humano. Mais de 100 mil aventureiros rumaram para lá, atraídos por histórias de desbravadores que topavam com ouro quase na superfície da terra. A maioria saiu de lá frustrada e ainda mais pobre do que quando chegou. Trinta anos depois, um longa-metragem do diretor Heitor Dhalia, produzido por Tatiana Quintella, pretende recontar a loucura da busca pela riqueza que tomou conta de muita gente naquela época. O cenário escolhido para as locações mais importantes ficou bem distante da cava original. Boa parte dessas cenas acabou sendo registrada em Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, dentro do terreno de uma mineradora de areia.
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Inicialmente, a ideia dos responsáveis pelo filme Serra Pelada era gravar no Pará. Em março de 2012, já com a pré-produção em andamento, Dhalia e Tatiana estiveram na região para checar as condições. “Encontramos uma terra sem lei e sem infraestrutura para levar uma equipe de 200 pessoas, mais os figurantes”, conta Tatiana. Os hotéis próximos ficam a cerca de 30 quilômetros, no município de Curionópolis. Para piorar, a dupla sentiu um clima de insegurança e, por isso, precisaria de proteção. O governo do Pará acenou com a possibilidade de dar apoio nesse sentido, mas desistiu. A gota d’água, contudo, veio a seguir: a Companhia Vale do Rio Doce, proprietária do terreno, não iria liberar a cava para as gravações. Após cinco noites de insônia, Dhalia e Tatiana resolveram reformular a estratégia e a logística e adiaram as filmagens. “Orçada em 10 milhões de reais, a fita chegaria a 14 milhões se fosse toda rodada no Pará”, diz a produtora. Por isso, aos 44 minutos do segundo tempo, eles resolveram transferir a parte mais complicada da operação para Mogi, a 60 quilômetros da capital.
Por causa da mudança no calendário e da agenda atribulada, o ator Wagner Moura, então um dos protagonistas, ficou com um papel menor e terminou sendo substituído por Juliano Cazarré (o Adauto da novela Avenida Brasil). Ele e Júlio Andrade (o Gonzaguinha de Gonzaga — De Pai para Filho) interpretam amigos que saem de São Paulo, em 1980, à procura de ouro em Serra Pelada. Achar uma cava do tamanho de dois campos de futebol e com 100 metros de profundidade foi a árdua tarefa do consultor ambiental Pedro Stech. Depois de dez visitas e de voos de helicóptero pelo estado, ele definiu a área da mineradora em Mogi das Cruzes como a locação ideal.
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Com passagem por filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, o diretor de arte Tulé Peak entrou em ação para dar a “cara” de Serra Pelada à cava. Uma das primeiras providências consistiu em usar um trator e uma retroescavadeira para que o solo tivesse uma cor avermelhada, como a do terreno original. As filmagens ocorreram em novembro, levaram quatro dias e tiveram a participação de cerca de 400 extras, recrutados na região. Bombeiros e artistas circenses, por exemplo, com mais experiência e força, fizeram as cenas dos garimpeiros subindo as escadas de 30 metros de altura com sacos de lama e pedras nas costas. Para vestir e maquiar tanta gente, a produção montou um Q.G. num galpão industrial da própria mineradora e em tendas armadas. O trajeto até o set levava vinte minutos de ônibus. “Parecia uma linha de montagem”, relembra Peak.
Primeiro, os figurantes eram vestidos com short e camiseta e, então, passavam pelos maquiadores (foram contratados quinze profissionais). A mistura de argila e protetor solar revelou-se ideal para segurar a pintura no rosto e no corpo, dando ao pessoal de apoio o aspecto enlameado característico. Os trabalhos começavam por volta das 8 da manhã e se estendiam até 4 ou 5 da tarde.
No total, as filmagens consumiram seis semanas, com algumas paradas para descanso. Além de Mogi das Cruzes, as tomadas foram feitas em Belém (cenário da vila, dos bares e prostíbulos), num aterro sanitário em Paulínia, na região de Campinas (o acampamento dos garimpeiros), e na capital paulista. Diretor de O Cheiro do Ralo e À Deriva, Dhalia corre agora contra o tempo para terminar a montagem de seu quinto (e mais ambicioso) longa-metragem a fim de inscrevê-lo para o Festival de Cannes, em maio. “Estamos mesclando sequências filmadas com imagens de arquivo, como as documentadas por Jean Manzon, e até trechos de Os Trapalhões na Serra Pelada, de 1982. Ninguém vai notar a diferença”, garante. A previsão de estreia nos cinemas é no segundo semestre.