“Comecei a beber e fumar aos 15 anos por influência dos amigos. Na sequência, aos 17, experimentava cocaína e ecstasy em raves. Minha mulher, Juliana, 39, até sabia, mas achava que meu uso era controlado. Talvez ela não visse problema porque eu tinha meu trabalho, ambições, e um dia pararia de usar.
Eu a conheci por intermédio de amigos em comum. Um dia ela me enviou uma mensagem pedindo ajuda para marcar uma consulta com meu pai, médico ginecologista. Aproveitei a deixa e a chamei para sair. Fomos a um restaurante, depois para uma boate. Naquele primeiro encontro eu senti que ela era especial. Apresentava Ju aos meus amigos como ‘a mãe dos meus filhos’.
Ela foi viajar para o exterior com a família, e eu, tímido, mandei um pedido de namoro pelo Facebook e troquei meu status de relacionamento. Ela gostou da iniciativa. Em seis meses estávamos morando juntos e nos casamos um ano e meio depois.
Por mais de quinze anos eu bebia e usava drogas apenas nos fins de semana. Minha dependência era cruzada, o álcool levava à cocaína e a mistura prolongava os efeitos. Após um ano que estava casado, perdi o controle. Descontava meus problemas pessoais na bebida e a piora no vício veio rápido demais. Meu alcoolismo era do tipo compulsivo, não conseguia parar quando começava. Podia passar três dias seguidos bebendo. Apesar do descontrole, Juliana sabia que eu era uma boa pessoa.
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Dono de bar e de uma empresa de eventos, meu trabalho facilitava o contato com o álcool. Quem conseguiria administrar um negócio dessa forma, passando dias ‘fora do ar’? Deixei de ser bem-sucedido profissionalmente e me afundei financeiramente. Em paralelo, a Ju ficou grávida. Sentia medo de não ser bom pai.
Entre o nascimento da Valentina, hoje com 4 anos, e seu aniversário de 1 aninho, eu tinha entrado em um buraco. Comecei a ter problemas de saúde (infecções sérias e dois princípios de overdose), estava visivelmente acabado. Eu me isolava da família e amigos no meu escritório por vários dias me drogando. Era um suicídio lento. Minha esposa não suportava que eu usasse as substâncias dentro de casa. Insistia em internação, mas eu não aceitava. Brigamos várias vezes. Entrei em depressão, sentia estar próximo de morrer. No fundo, ela estava ficando doente também. Ju então me deu o ultimato: ‘Se você não se internar, amanhã nós vamos embora’.
Em 2018, fiquei três meses em uma pequena clínica psiquiátrica. Na época, aceitavam-se internações compulsórias, então via gente chegando amarrada. Pacientes berravam à noite. Não podia entrar com cadarço nos tênis para evitar suicídio. Mas eu estava tão fora da realidade que o tratamento serviu para clarear minha mente. Minha mulher ia me visitar com nossa filha em dias alternados. Valentina não entendia nada, dizíamos que era onde eu trabalhava. Ju saía chorando porque era um lugar assustador, mas estava feliz. Terminei a internação em casa, com o auxílio de um enfermeiro e da minha esposa. Ela me ajudava a lembrar de tomar doze remédios prescritos. Mesmo na função de ‘babá’, ela cuidava de mim se sentindo realizada. Era uma luz no fim do túnel.
Ju foi uma mulher muito forte, até hoje não sei como aguentou ficar ao meu lado. Ela é bonita, conseguiria o homem que quisesse, mas escolheu não me deixar. Passou a gravidez praticamente sozinha. Religiosa, acreditava em uma força maior e que as coisas melhorariam. Não queria que a filha crescesse sem o pai. Eu quero ter outro filho, mas ela tem medo que algo aconteça de novo. Nossa vida agora é boa. Dou valor às coisas simples que não fazíamos, como nos reunir à mesa para jantar, levar Valentina ao parque para passear e colocá-la na cama.
Não tive nenhuma recaída desde então. Nunca mais pisei em um bar. Graças à minha esposa e minha filha, pude me reconstruir como pessoa e troquei de carreira. Hoje tenho uma academia de jiu-jítsu e lancei um aplicativo que idealizei na clínica, o Anonymo, com reuniões virtuais semelhantes às do AA (Alcoólicos Anônimos) ou NA (Narcóticos Anônimos) para pessoas que estão passando pelo que eu passei em relação a álcool, drogas e outros vícios.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 03 de março de 2021, edição nº 2727