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Escolas de samba batem recordes nas parcerias com grandes empresas

Palha de aço, lente de contato e corrida de jipes : tudo para bancar desfiles cada vez mais luxuosos

Por Arthur Guimarães
Atualizado em 1 jun 2017, 18h26 - Publicado em 15 out 2011, 00h51
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  • Paulo Gonçalves, vice-presidente da Império da Casa Verde
    Paulo Gonçalves, vice-presidente da Império da Casa Verde (Fernando Moraes/)

    Palha de aço, lente de contato e corrida de jipes são coisas que podem render um bom samba? A julgar pelas escolhas dos enredos de várias escolas paulistanas, esses e outros temas um pouco estranhos ao universo da cuíca e do pandeiro têm potencial para levantar a arquibancada no Anhembi — ou, no mínimo, ajudar a pagar a conta da festa em fevereiro de 2012. A Vai-Vai é uma das agremiações que apostam alto nesse tipo de balanço. Sua quadra, no Bixiga, está decorada com logotipos da Bombril. Das perucas desenhadas para as dançarinas, com a mesma matéria-prima do produto mais famoso da empresa, à letra do samba que será defendido na avenida, cujo refrão contém a frase “bom brilhar”, tudo lembra os negócios da companhia, que é a patrocinadora do desfile.

    A Rosas de Ouro, outra agremiação tradicional, decidiu rimar Hungria com alegria, homenageando a colônia desse país do Leste Europeu, com destaque especial para o publicitário Roberto Justus, filho de um casal de imigrantes magiares. Com isso, espera que ele mobilize sua rede de contatos para trazer investidores que pagariam fantasias e carros alegóricos. Por conta de uma troca semelhante de interesses, a X-9 vai de Rally dos Sertões, a tradicional competição de carros que ocorre anualmente no Nordeste, e a Pérola Negra se prepara para louvar as belezas de Itanhaém, no litoral do estado.

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    A moda de transformar o desfile em um comercial de sessenta minutos não representa exatamente uma novidade por aqui. Mas a prática está batendo recordes e provocou uma grande discussão a respeito dos limites de mercantilização do evento. “A comemoração virou um grande produto”, lamenta Carlos Alberto Caetano, de 81 anos, o “Carlão” da velha-guarda do Peruche. “Hoje, não passa de uma competição em que as escolas correm pela avenida, empurradas pelos diretores com medo de perder pontos e ficar mal com os patrocinadores.” Em 2010, o assunto já tinha rendido uma grande polêmica com a Rosas de Ouro, que se preparou durante todo o ano para apresentar o enredo “O cacau é show”, fruto de uma parceria de 2 milhões de reais com a fabricante de chocolate Cacau Show. Quando as vinhetas promocionais começaram a ser exibidas na Rede Globo, que detém os diretos de transmissão da festa e proíbe anúncios descarados, houve uma ordem expressa para que o título fosse alterado. A agremiação transformou parte da letra do samba e, de última hora, foi para a competição com o refrão “O cacau chegou”. Apesar de muitas reclamações das concorrentes, acabou sendo a campeã da temporada. 

    Quem adota os chamados enredos comerciais não gosta de assumir que tomou qualquer decisão por dinheiro. Uma das exceções é a Império da Casa Verde, que escolheu o tema “visão” entre cinco opções. “Era a alternativa mais vendável”, afirma o vice-presidente Paulo Gonçalves. A maioria dos seus colegas, no entanto, tenta negar as evidências. “Jamais aceitaria investir em um assunto sem graça em troca de verba”, diz Rodrigo Cadete, carnavalesco da X-9, que esteve no Rally dos Sertões deste ano e enviou passistas para se apresentar na competição automobilística. Exageros comerciais são analisados por uma comissão técnica e podem provocar descontos de 2 pontos na avaliação final. O temor pela fiscalização é tão grande que, na Vai-Vai, os integrantes se confundem para explicar como a expressão “bom brilhar” acabou no meio do samba. “Foi fruto da inteligência do compositor”, defende Darly Silva, presidente da gremiação. O autor da composição, José Carlos Júnior, jura que tudo nasceu de “um processo meio mágico”. Já o carnavalesco Alexandre Louzada entrega que a Bombril “solicitou” que o trecho estivesse presente na letra da música. “Foi a única coisa que eles pediram”, afirma. A companhia nega a história.

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    Há empresas que injetam dinheiro diretamente nos barracões, como é o caso da patrocinadora da Vai-Vai. Ela não revela qual valor está investindo na operação, mas comenta-se no mercado do samba que o patrocínio seria de 2 milhões de reais. E há parcerias em que, nos termos do contrato, fica acertado que o homenageado vai catalisar patrocinadores. Os responsáveis pela Rosas de Ouro sustentam que o enredo “O reino dos Justus” surgiu de uma vontade de falar sobre a Hungria. Ao estudar a cultura do país e analisar a figura do rei Matthias I, o Justo, ficou decidido que a festa seria personificada por Roberto Justus. “Avisei que não vou dar sequer um telefonema para pedir patrocínio”, declara o publicitário. Ele assume, no entanto, que poderá “explicar quanto o desfile será bacana” se alguma marca o procurar sondando uma ajuda.

    Samba Vendido
    Samba Vendido ()
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    Nascido nas comemorações da colheita dos povos da Antiguidade, o Carnaval chegou ao Brasil trazido pelos portugueses. No século XVII, a manifestação cultural conhecida como entrudo já reunia foliões fantasiados, que corriam pelas ruas sujando-se com farinha, água ou limões de cheiro. De lá para cá, ocorreram várias transformações importantes, como a entrada do luxo e da ostentação na avenida, nos anos 60 e 70. “A chegada dos bicheiros como financiadores transformou a riqueza em elemento fundamental na festa”, explica o jornalista Sérgio Cabral, autor do livro “As Escolas de Samba do Rio de Janeiro”. Nos últimos tempos, as empresas entraram na jogada, bancando parte da folia. Como ocorre sempre, o que dá certo por lá acaba sendo copiado por aqui. Dessa forma, a cidade que um dia foi injustamente chamada de túmulo do samba virou o berço da explosão do merchandising.

     

    A FESTA DO MERCHANDISING

    Alguns dos acordos fechados pelas agremiações paulistanas para o Carnaval


    Vai-Vai

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    Investimento total previsto*: 4 milhões de reais

    Tema: “Mulheres que brilham”

    Quem está por trás do enredo: Bombril


    Pérola Negra

    Investimento total previsto*: 2,2 milhões de reais

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    Tema: “Itanhaém, hoje a Pérola é você”

    Quem está por trás do enredo: Prefeitura de Itanhaém


    Rosas de Ouro

    Investimento total previsto*: 2,5 milhões de reais

    Tema: “O reino dos Justus”

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    Quem está por trás do enredo: o publicitário Roberto Justus


    Império da Casa Verde

    Investimento total previsto*: 2,4 milhões de reais

    Tema: “Na ótica do meu império o foco é você”

    Quem está por trás do enredo: Lentes Transitions e Grupo Essilor


    X-9

    Investimento total previsto*: 3,5 milhões de reais

    Tema: “A X-9 Paulistana desbrava os sertões dessa gente varonil!”

    Quem está por trás do enredo: Dunas, organizadora do Rally dos Sertões

    * Valor declarado pela escola

     

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