Sobrepeso na estrutura é a principal hipótese para explicar o desabamento da marquise de um prédio nos Jardins, na zona sul de São Paulo, que matou um jovem de 17 anos e feriu outro rapaz na noite de anteontem. É o que indicam um representante do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado (Crea-SP) e engenheiros civis. O caso é investigado pela Polícia Civil, a quem cabe apontar a razão oficial da queda.
Sem dar sinais anteriores de risco, a marquise do Edifício Vila América, na Rua Bela Cintra, ruiu às 19h02 sobre Thiago Nery Qualiotto, de 17 anos, e João Tess Portugal, de 18. O mais novo teve a morte constatada pelo médico do Corpo de Bombeiros ainda no local. Já a outra vítima fraturou quatro costelas e o tornozelo. Segundo testemunhas, a queda aconteceu de forma abrupta e não houve chance nem de correr.
Presente na vistoria realizada na manhã de ontem, o gerente regional metropolitano do Crea-SP, Marcelo Bruni, afirmou que o mais provável é que a marquise tenha caído por estar suportando um peso maior do que o projetado para a estrutura. “Sem dúvida, ela não estava trabalhando na condição original do projeto e recebeu cargas de argamassa.”
Especialistas explicam que a queda aconteceu por cisalhamento – quando a laje desaba de uma vez, como se a estrutura de ferro responsável por segurá-la (chamada na engenharia de “armadura”) tivesse sido cortada por uma tesoura. Em tese, uma das hipóteses para que isso aconteça é quando há infiltrações na estrutura e, consequentemente, oxidação do ferro.
De acordo com Bruni, porém, esse não era o caso do Edifício Vila América, que foi construído há cerca de 40 anos. “É um prédio bem mantido, em uma área nobre, não havia infiltração: isso foi perguntado ao porteiro e funcionários”, disse.
Com base em fotos do desabamento, engenheiros e especialistas em recuperação estrutural concordaram com a avaliação. Segundo afirmam, a ferragem exposta seria adequada para uma laje com revestimento entre 2,5 cm e 3 centímetros. Na marquise que despencou, no entanto, a espessura de argamassa aparentava ter cerca de 10 cm.
A principal suspeita é de que tenham sido feitas obras de impermeabilização em que o cimento novo era posto por cima da manta antiga, sem retirá-la, aumentando assim o peso original da marquise. Segundo especialista, 1 m³ de argamassa pesa, no mínimo, 1,8 tonelada.
Investigação
Segundo boletim de ocorrência, feito no 78.º Distrito Policial (Jardins), um engenheiro teria atestado a regularidade estrutural do edifício em julho. O profissional deve prestar esclarecimento no inquérito. A polícia também aguarda laudo da perícia para saber se irá responsabilizar alguém criminalmente. Para a investigação, ainda não é possível falar em homicídio.
Em nota, a Prefeitura disse não haver registro recente de obras no edifício. Segundo o presidente regional do sindicato das empresas de Engenharia, (Sinaenco), Fernando Mentone, o ideal é que inspeções técnicas aconteçam a cada cinco anos. O Estado tentou entrar em contato com o síndico do prédio e com a advogada responsável por representá-lo, mas não obteve retorno.
Sonhos e planos
Thiago Nery, morto ao ser atingido pela marquise que desabou de um prédio dos Jardins, estava no prédio na Rua Bela Cintra, na noite de anteontem, para comemorar o aniversário de 18 anos do colega João Tess Portugal, que mora no edifício.
A estrutura desabou quando os dois estavam sob a marquise. Nery foi declarado morto no local. Portugal foi resgatado com ferimentos.
Os colegas eram próximos e se preparavam para fazer o vestibular. Nery era filho de Ana Luiza, uma professora de Química da escola. Em nota, o Colégio Santa Cruz afirmou que alunos, parentes e educadores receberam a notícia do falecimento com profunda tristeza.
As aulas foram suspensas ontem para alunos do ensino médio da escola – nas redes sociais, muitos lamentaram a tragédia e falaram do convívio com o colega morto, destacando sobretudo seu sorriso. O velório e o enterro de Nery ocorreram ontem em Laranjal Paulista, município que fica a 173 quilômetros da capital.
Cirurgia
Portugal, que foi levado ao Hospital Sírio-Libanês, não perdeu a consciência depois de se ferir. “Ele está bem, mas não sei se ele já sabe o que aconteceu com o amigo”, disse na manhã de ontem Fernando Reinach, tio de Portugal e colunista do Estado.
O jovem teve fraturas em quatro costelas e também no tornozelo esquerdo, que foi operado. Entre a próxima segunda, 18, e terça-feira, 19, segundo boletim médico, deverá passar por uma cirurgia.
Segundo o tio, Portugal quer fazer faculdade de Direito – no ano passado, fez o vestibular da Fuvest – e depois ser admitido no Instituto Rio Branco para ser diplomata. O interesse pela carreira diplomática vem da admiração por João Guimarães Rosa, que foi cônsul adjunto na Alemanha entre 1938 e 1942. A bisavó do jovem, Aracy, que ajudou judeus a entrarem no Brasil fugindo do nazismo durante a 2.ª Guerra, foi casada com o escritor mineiro.