Existe um lugar sombrio na rede mundial, onde cavalgam os novos bárbaros com suas espadas de ódio e suas línguas de maldizer.
Lá é onde cada um deles comete seus furtivos pecados, é onde fica seu abrigo secreto, seu esconderijo, o armário onde se resguarda, onde, camuflado, faz seus feios fazeres.
É onde diz o indizível, espia o interdito, namora espelhos e secretamente, mas ó com que excitação, busca e deseja seus iguais.
É onde chicoteia negros (ó, não mais “seus” negros, maldita princesa Isabel!), sevicia mulheres, pisoteia destituídos de bens e de poder, difama os divergentes.
É o beco onde chuta cachorro morto dando risada.
É o ermo onde dá o quinto tiro na cabeça da vereadora assassinada.
É o território do falso, por onde circulam as notícias falsas, as falsas reputações, a moeda falsa, a falsa virtude, as nuvens de pó, os inconfessáveis encontros marcados, os endereços para a entrega das malas de dinheiro e das moças de falsa inocência.
É onde trafegam espiões e chupa-cabras, bisbilhotando, invadindo, copiando, adulterando, montando, espalhando, vendendo, jogando nas redes o que quer que seja ou pareça comprometedor, ou que possa levantar suspeitas, ou que possa corroborar uma suspeita.
É de onde justiceiros de reputações disparam suas mensagens de quarenta palavras-bala, que ricocheteiam e vão ferindo incautos em louco zigue-zague.
É a esquina do maldizer, da língua preta, da língua de trapo, da língua de fogo, a enxovalhar com sua baba fétida a vida e a imagem das pessoas públicas.
Fica lá, nessa zona escura, a cadeira de dragão dos porões cibernéticos, onde delegados fleurys fazem sofrer por prazer sádico, riem ao fritar nomes, relações, amizades, fidelidades.
É onde cada um deles marca encontro para espancar até a morte o torcedor do time adversário, não importa se pai ou filho como todos nós, como todos eles, naquele momento é apenas um portador da bandeira ou camiseta odiada, e eles dão o pau conforme combinado na rede social, pau, pau, pau nele sem dó.
É onde se trama a ameaça aos ministros e o ataque às caravanas.
É onde jovens manifestantes de negra intenção e máscara ninja marcam encontros para vandalizar, quebrar, queimar, bagunçar, machucar, anarquizar e onde, mais tarde, na mesma zona sombria, contabilizam eufóricos seus estragos, como se vitórias fossem.
É onde campeiam capitães de mato da nova estirpe à caça de gays, de defensores de direitos, de libertários, de militantes da ecologia, de feministas, de vozes que cobram compromissos sociais dos políticos, para contra eles açular matilhas raivosas.
Escondem-se nessas moitas da rede os doentios divulgadores de fotos furtadas de celebridades peladas.
É onde os pescadores de dinheiros — eis aí os verdadeiros pescadores de águas turvas — lançam suas iscas para capturar transferências, números de contas bancárias, de cartões, senhas.
É desde esses pastos de urtigas que pastores aproveitadores e de má conduta, comandando batalhões de anjos caídos, pastoreiam ingênuos de boa-fé com propósitos de lucro, supremacia e poder.
Ali, nesse ambiente sombrio, não valem argumentos nem razões: é o lugar dos gritos de guerra. Vale difamar, acusar sem provas. Rolam discursos de ódio e preconceito. A verdade é morta a pauladas, a lógica toma chutes no traseiro, os fatos são esganados até perderem os sentidos, o direito é expulso a pontapés. E estamos nisso.