A maior feira de beleza das Américas (no mundo, só perde para a italiana Cosmoprof, em Bolonha) é realizada logo ali, na Zona Norte. Trata-se da Beauty Fair, que, mesmo só aceitando profissionais do setor, recebeu no início deste mês 200 000 pessoas — é como se a população de um bairro do tamanho de Vila Mariana e Campo Belo juntos fosse formada apenas por cabeleireiros, maquiadores e afins, que circulam atrás das novidades em batons, xampus, perfumes, cremes e outros produtos que serão usados no Brasil e nos países vizinhos. A projeção é tão grande que o evento paulistano, que em quatro dias totalizou 800 milhões de reais em rodadas de negócios, planeja expandir suas atividades para Argentina, República Dominicana e México, com edições a partir de 2021. Bem além de ser apenas um ponto de negócios, é nos hábitos de consumo que a cidade se torna a capital da beleza na América Latina — segundo levantamento da Vejinha junto a marcas globais e especialistas da área, São Paulo é a campeã em consumo de cosméticos na região (só em esmaltes, foram 16 milhões em 2018).
Trata-se de um mercado que tem a movimentação estimada em 10,9 bilhões de reais por ano, número comparável ao de todo o setor de eletrodomésticos e eletrônicos. Fica na metrópole a fatia de 10% do total de consumo brasileiro de beleza, o quarto maior do mundo, à frente do de Alemanha, Coreia do Sul e França, de acordo com levantamento de mercado da Euromonitor Internacional. “É a principal cidade da América Latina para a Avon e provavelmente para todas as empresas do mercado. E é disparado a maior em fragrâncias”, explica José Vicente Marino, presidente da Avon no Brasil.
Só na rotina diária com os cabelos, os paulistanos incluem seis produtos, que vão de máscaras de tratamento a finalizadores. Também são sucesso por aqui a escova progressiva e outros métodos de alisamento (usados por 60% dos consumidores). Uma fatia de 70% aposta nas tinturas e 40% ainda afirmam frequentar salões de beleza. Segundo pesquisas da L’Oréal, a cidade é a que mais tem mudanças capilares em todo o país.
Taxas de consumo como essas também fazem com que a capital seja a primeira a testar novidades. A sueca Foreo, de pegada high-tech, abriu escritório no Jardim Europa no ano passado e deve lançar sua linha de cosméticos para o rosto. A varejista Sephora, presente na França e nos Estados Unidos, instalou por aqui seu primeiro outlet no mundo. A grife M.A.C inaugurou nos shoppings Mooca e Jardim Sul seus primeiros quiosques no esquema de franquia, algo inédito no país. “Observamos que as principais tendências começam a surgir em São Paulo”, diz Paola Vorlander, diretora da M.A.C Cosmetics no Brasil. Interessado na pluralidade da região, o grupo Coty (de marcas como Monange, Bozzano e Risqué) instalou em Barueri, a 30 quilômetros da capital, um centro de desenvolvimento de produtos que serão distribuídos em todo o território. Ocorrem por lá cerca de 20 000 visitas de clientes por ano. Os encontros servem como repertório para aprimorar o que já está nas gôndolas e novas apostas.
Ainda tem, é claro, o jeitinho paulistano de consumir, que vai de delivery para pedir cosméticos por meio de aplicativos de entrega à praticidade das farmácias. A Drogaria Iguatemi, por exemplo, tem 70% de seu faturamento mantido por mercadorias de perfumaria (que incluem maquiagens, hidratantes, xampus etc.). Mensalmente, são colocados 500 novos produtos nas gôndolas dos três pontos de venda na capital paulista. No ano que vem, a empresa deve abrir a quarta unidade, dedicada a produtos de cuidados pessoais, sem remédios. Apostando na mesma área, a rede Raia- Drogasil lança em outubro uma linha própria de artigos veganos para a pele. Já a Drogaria São Paulo mantém uma produção de itens para proteção solar.
São Paulo também se destaca pelo interesse em novos artigos. “O consumidor paulistano consome produtos mais sofisticados e tecnológicos”, explica Christian Goetz, presidente da Nivea, que também encontra na cidade um ponto estratégico para a comercialização de seus produtos (só o tradicional creme da latinha azul vendeu 850 000 unidades no ano passado). A empresa recentemente investiu 300 milhões de reais para expandir sua fábrica em Itatiba, a 84 quilômetros da capital. As marcas também ressaltam a “intimidade” que os paulistanos têm com produtos utilizados para o cuidado com a pele. “Os consumidores de São Paulo fazem uma rotina mais elaborada com o uso de cremes anti-idade e protetores solares”, relata Renata Ferraz, líder da área de Inteligência do Consumidor e de Mercado da L’Oréal Brasil. A companhia realiza na cidade suas pesquisas de público antes de colocar uma nova aposta nas prateleiras brasileiras.
O setor de beleza costuma ser um dos mais resilientes às crises econômicas. No entanto sofreu um abalo recentemente. “O mercado da beleza nunca teve retração, a primeira vez foi em 2015. Desde então, os consumidores repensaram seus hábitos”, diz Margareth Utimura, responsável pelo departamento de cosméticos na consultoria Nielsen. A região metropolitana está reagindo, e empresas do setor tiveram até um aumento de 2,1% no faturamento entre junho de 2018 e junho de 2019, com destaque para as fragrâncias e os hidratantes. Além disso, marcas menores, com preços mais acessíveis, que cresceram no comércio popular, vêm ganhando espaço. São exemplos a Ruby Rose, de origem russa, mas com operação nacional baseada no Brás, na região central, que fez sucesso ao lançar uma potente base facial por módicos 10 reais. Na mesma toada estão a Salon Line, que aposta em cabelos cacheados, e a Dailus, que inicia grande reestruturação para cair de vez nos braços dos compradores digitais e tem perspectiva de crescer 20% no próximo ano.
O setor também segue movimentado com transações de grande porte, como a compra da Vult pelo Grupo Boticário, em 2018, e com a Natura assumindo o controle da Avon, em maio deste ano. E os salões de cabeleireiro, grandes templos da beleza, abrigam por aqui os profissionais preferidos das celebridades, como Celso Kamura, Marco Antonio de Biaggi, Marcos Proença e Wanderley Nunes. O número de profissionais do ramo — inspirados nos grandes nomes —, incluindo os voltados para o público masculino, aumentou 58% nos últimos cinco anos na cidade, de acordo com o Sebrae. Tudo para ficar bem na foto.
Beleza na feira
A paulistana Beauty Fair anunciou as datas da próxima edição, em 2020. Será entre os dias 5 e 8 de setembro, e os primeiros cursos, como o de make e o de manicure, já estão com as inscrições abertas. Além das classes, o evento é conhecido por reunir as principais novidades do mercado e por vender produtos a preços atraentes aos profissionais. De fora da programação desde a criação da feira, há quinze anos, o consumidor final pode agora comemorar. Os organizadores planejam lançar uma versão específica do evento para todos os tipos de participante. “Estamos negociando a data com o Expo Center Norte”, conta o superintendente Cesar Tsukuda.
ELEGÂNCIA NAS PRATELEIRAS
Com a intenção de repetir o sucesso da parceria com a influencer Niina Secrets, que vendeu 60 000 batons, a M.A.C prepara outra colaboração com mais duas paulistanas habituées do mundo da moda e da beleza e com presença importante nas redes sociais: Luciana e Marcella Tranchesi. A aprovação da coleção, vale dizer, precisou passar pela direção global da marca, e os artigos foram desenvolvidos em Nova York. A dupla assina uma seleção de três produtos, um batom, um gloss e uma paleta de quatro sombras, cuja chegada às lojas está prevista para outubro de 2020. “Pensamos em algo que vai combinar com todos os estilos”, explicam as duas. Outra novidade são os eventos em empresas, para ensinar técnicas de make e vender produtos sem custo adicional ao contratante. “É uma forma de aumentar nosso alcance”, afirma Paola Volander, diretora da empresa canadense no Brasil.
DELIVERY E RECARGA
Nem só de batom em pó vivem as inovações da Avon. A empresa passou a diversificar a entrega de seus produtos ao consumidor final. Agora é possível pedir um cosmético via Rappi, que demora, em média, cinquenta minutos, e há quiosques nas lojas Pernambucanas. Até o fim do ano serão nove na capital, e os dois primeiros já funcionam em Interlagos e na Consolação. O sortimento nessas lojas chega aos 400 produtos, entre perfumes, maquiagens e cremes. O lugar também é um ponto de “recarga” para revendedores, que aproveitam um preço menor em comparação com os consumidores em geral. Outra aposta é treinar as representantes para fazer análises e divulgação dos cosméticos nas redes sociais. O tradicional catálogo foi repaginado. Ganhou versão on-line (que já responde por 10% das vendas) e pode ser disparado via WhatsApp.
MADE IN ZONA LESTE
Criada no Tatuapé, na Zona Leste, a Dailus não abandona suas raízes: cerca de 20% de sua produção fica na cidade de São Paulo. O estado abocanha uma fatia de 50%. Com forte presença em farmácias (a ação nas drogarias levou a um crescimento de 30% no faturamento), a marca quer aumentar sua relevância e se fortalecer no setor de esmaltes, dominado por gigantes como Colorama (da L’Oréal), Impala (da Mundial) e Risqué (do grupo Coty). Para isso, deve lançar vinte novas cores e mais uma seleção de verão. “Há manicures que compram coleções inteiras para oferecer a suas clientes”, orgulha-se Fernando Rossi, um dos sócios. A aposta para dominar novos mercados vem das redes sociais. A grife, inclusive, contratou uma empresa para atender em sistema de 24 horas os clientes que deixam mensagens na internet. “Temos de estar abertos a ouvir o consumidor”, diz.
VARIEDADE EM SHOPPING
Os irmãos pernambucanos Celso e Marina Moraes encontraram resistência dos shoppings para instalar sua rede Mundo do Cabeleireiro na cidade. “Foi preciso levar a montanha a Maomé”, diverte-se Celso. Há três anos, eles conseguiram o primeiro espaço no Tatuapé, e não pararam mais de crescer. Abriram catorze unidades próprias em centros de compras como Vila Olímpia e Eldorado e preparam-se para inaugurar mais três. Cada uma delas teve investimento médio de 2 milhões de reais e conta com cerca de 9 000 itens. “O nosso segredo é a curadoria”, explica Marina.
A VOZ DO CONSUMIDOR
A Salon Line deve reformular ainda neste ano oitenta de seus 400 produtos próprios. O motivo? As mães adeptas da marca pediam para dividir o uso com os filhos sem risco de provocar irritação. A etiqueta aceitou o desafio e ainda lançou versões maiores, de 1 litro (justamente para possibilitar o compartilhamento com toda a família). Com vinte anos de história, a Salon Line ganhou relevância no mercado quando passou a apostar em cabelos cacheados, em 2014. Outro destaque é o preço baixo, com produtos de 9,90 reais (kit de socorro capilar) a 25 reais (pote com 1 quilo de creme para pentear).
STARTUP DA GEMA
Com pegada moderna, a paulistana Sallve acaba de lançar três produtos funcionais para cuidados com a pele. Um deles, antioxidante, promete hidratar, clarear manchas e desinchar as pálpebras, tudo em uma tacada só. Há outros três em desenvolvimento, que devem sair também na versão miniatura. A chegada da marca ao mercado fez barulho. A sócia Julia Petit foi uma das primeiras brasileiras a falar sobre cosméticos na web.
O ano em números
Quantos cosméticos de diferentes segmentos foram vendidos na Grande São Paulo entre junho de 2018 e junho de 2019*
> 16 milhões de vidros de esmalte
> 5 milhões de tubos de hidratante
> 4 milhões de batons
*volume coletado em domicílios pela Nielsen
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 02 de outubro de 2019, edição nº 2654.