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VEJA SÃO PAULO e artistas de rua grafitam cinquenta buracos da capital

A iniciativa #buraqueira chama a atenção para a situação do nosso asfalto: será que assim os responsáveis vão enxergar o problema?

Por Fábio Lemos Lopes e Júlia Gouveia
Atualizado em 1 jun 2017, 17h32 - Publicado em 4 out 2013, 20h24
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  • Em uma metrópole com 11,8 milhões de habitantes e estorvos urbanos proporcionais ao seu gigantismo, do que os moradores mais se queixam? Em 2012, o Instituto Datafolha perguntou aos paulistanos qual o maior problema nas ruas onde vivem. A citação campeã não foi violência (14%), trânsito (12%), lixo espalhado (9%), apagões e outras falhas na rede elétrica (7%), excesso de barulho (6%) nem as enchentes (5%). A reclamação número 1, apontada por 18% dos entrevistados, foi a má conservação das vias — o porcentual aumenta nos bairros da periferia.

    + Acesse o mapa interativo e denuncie buracos em sua região

    Pelos 17 000 quilômetros de ruas e avenidas de São Paulo passam diariamente cerca de 3,8 milhões de veículos motorizados, entre eles pesados ônibus e caminhões. Além disso, concessionárias de água, luz, gás e telefonia perfuram com frequência o asfalto para mexer em suas redes. Somente de janeiro a agosto de 2013, a administração municipal cobriu 290 000 buracos, em uma área total de 1,8 milhão de metros quadrados, 13% a menos que no ano anterior. Foram 1 195 por dia, 49 por hora, quase um por minuto. Quem vive e circula pelos quatro cantos da cidade, porém, sabe que essas operações vão e vêm, mas as crateras (novas ou as mesmas) continuam em abundância na paisagem.

    Para abordar a questão, VEJA SÃO PAULO preparou uma ação inspirada em trabalhos internacionais (veja o texto na pág. 51) que não começa nem termina nesta reportagem. A revista mapeou cinquenta buracos na capital e se uniu a onze artistas, que, após reuniões frequentes na galeria A7MA, na Vila Madalena, e coordenados pelos curadores Binho Ribeiro e Jacqueline Prado, grafitaram os rombos das pistas a fim de chamar a atenção para a ineficiência do poder público. Entre a noite de sexta (27) e a manhã de sábado (28), cada um deles seguiu por uma região, sempre acompanhado de um jornalista.

    + Ajude a acabar com essa buraqueira

    Em comum, todos pintaram a hashtag #buraqueira. Assim, passantes puderam marcar e identificar os registros nas redes sociais, o que começou a se concretizar durante a feitura dos primeiros desenhos. As criações foram bem diversas: de caveira a explosão, de ratazana a cogumelo, de flor a caretas. “Faz mais de um ano que transito por essa armadilha”, observava Wellington Naberezny, o Sipros, ao reproduzir a imagem de um garoto a partir de uma depressão de 10 centímetros de profundidade e quase meio metro de largura na Rua Laura Vicuna, na Vila Ida, na Zona Oeste. À sua frente, vizinhos relatam tentativas inúteis de encobrir a abertura com terra e pedras, com o objetivo de evitar acidentes. Alguns dos autores deixaram frases ao lado das figuras, como o artista Mundano, que escreveu: “Seu dinheiro indo pro buraco” em duas das intervenções que realizou, nas quais notas verdinhas escorrem rumo à falha do asfalto.

     

    Os dizeres de Mundano fazem todo o sentido. Afinal, como acontece no pronto-socorro de um hospital, no serviço de conserto paga-se a conta pela falta de precauções a médio e longo prazo. “Estudos internacionais mostram que cada real gasto em prevenção evita 3 em recuperação, e desconheço na cidade uma época em que isso tenha sido feito”, afirma o engenheiro Douglas Villibor, diretor da Lenc Engenharia e professor aposenta-do da USP São Carlos. Uma das medidas possíveis é fechar os trincos antesque eles se rompam de vez. Ações desse tipo, porém, são isoladas. A prefeitura cita uma única nos planos: o Elevado Costa e Silva, o Minhocão, ganhará uma fina camada de alta qualidade no ano que vem, numa antecipação ao surgimento de fissuras. A ideia é usar um levantamento da USP, realizado em 2009, que apontou algumas áreas problemáticas, mas esse processo ainda está engatinhando. Enquanto isso, o resultado é que 118,5 milhões de reais (ou 0,28% do orçamento municipal) serão destinados ao recapeamento de vias e à operação tapa-buraco.

    Hoje, a cidade fabrica a massa asfáltica em usinas próprias e paga a sete empresas terceirizadas, escolhidas por licitação em cada uma das subprefeituras, um valor proporcional ao volume da matéria-prima utilizada (173 reais por tonelada). Ou seja, quanto mais numerosos, largos e espessos os remendos, melhor o faturamento. Em Belo Horizonte, por exemplo, o contrato é diferente. Na capital mineira, com 4 500 quilômetros de vias, cada uma das nove administrações regionais desembolsa 41 000 reais por mês para alguma companhia contratada por concorrência para que mantenha um ou vários bairros em perfeitas condições. Assim, é interesse da própria empresa zelar para que as crateras não proliferem. Por que em São Paulo não é assim? “Aqui, sempre foi feito de outra forma, e a opção por esse modelo de Belo Horizonte requer também um estudo aprofundado dos custos”, pondera o engenheiro Janos Bodi, assessor técnico do secretário de Subprefeituras, Chico Macena da Silva, e ex-superintendente da Superintendência das Usinas de Asfalto (Spua).

    Dado o tamanho da nossa metrópole, nunca haverá solução simples para o rali urbano. Até porque as estruturas subterrâneas antigas comprometem a validade da superfície. “A Avenida dos Bandeirantes, por exemplo, é um lamaçal por baixo e por isso o pavimento cede sem dificuldade”, explica José Tadeu Balbo, professor e chefe do Laboratório de Mecânica de Pavimentos, da Escola Politécnica da USP. Reverter o quadro custaria muito caro. “Para reconstruir 1 quilômetro de todas as camadas, de aproximadamente meio metro de profundidade, seria preciso desembolsar cerca de 1,5 milhão de reais”, completa Balbo. “Isso é inviável num país como o Brasil, com prioridades mais urgentes, como a saúde.”

    Há, contudo, agravantes inexplicáveis. Concessionárias de serviços públicos como Sabesp, Comgás, Eletropaulo e Telefônica Vivo precisam escavar valas com frequência para fazer a ampliação e a manutenção de suas instalações, além de reparos emergenciais. A Sabesp, a campeã das perfurações, abriu aproximadamente 27 000 buracos por mês em 2012. O problema, obviamente, não é a empresa precisar de obras a fim de consertar ou melhorar sua atuação, mas o que ela deixa para trás: remendos malfeitos que, geralmente, tornam a pista irregular. Cabe às subprefeituras ficar de olho para verificar se o trabalho foi realizado de maneira correta. A multa, que era de 60 a 300 reais até 2010, aumentou para 2 000 reais diários por metro quadrado de área danificada. Se o rombo não tiver alvará, a punição pulará para 10 000 reais por metro quadrado. O empurra-empurra de responsabilidades contestadas na Justiça acaba fazendo com que autuações nunca sejam quitadas.

    tabela concessionárias
    tabela concessionárias ()

    Cada subprefeitura dispõe de dez a vinte equipes que devem fiscalizar todo tipo de problema de seu perímetro. Funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) também informam sobre os afundamentos das ruas. As denúncias dos moradores completam o monitoramento. É possível comunicar o problema pelo telefone 156, por meio do site sac.prefeitura.sp.gov.br ou pessoalmente na sede das subprefeituras — a prefeitura não revelou o número total de queixas que recebe. O prazo prometido de solução é de cinco dias após a emissão de uma ordem de serviço para as terceirizadas que tapam as aberturas da via. O resultado, como está à vista de todos os paulistanos, deixa a desejar.

    Por isso, como mencionado no início do texto, esta reportagem não termina aqui. O site VEJASAOPAULO.COM criou um mapa para abrigar não apenas crateras que sofreram as intervenções dos artistas, mas em especial fotos enviadas por internautas com esse tipo de obstáculo. Convidamos você, leitor, a encaminhar o seu flagra, com endereço de onde foi feito, pelo e-mail buraqueira@abril.com.br. Também vale postar no Instagram com a hashtag #buraqueira. A revista vai cobrar a solução para cada um deles junto à prefeitura e registrar se estão expostos ou tapados. Já estão lá, aliás, alguns dos pontos resolvidos depois que os grafites foram notados — até a tarde de quinta-feira (3), 23 dos cinquenta buracos tinham “desaparecido”. Melhor assim. A imagem que desejamos ver gravada em nossas ruas não é a dos desenhos de flores, cogumelos ou caretas, mas a de um asfalto à altura do potencial da cidade. 

    “A SITUAÇÃO NÃO É RUIM”

    O que diz o assessor técnico da Secretaria de Coordenaçãodas Subprefeituras, o engenheiro Janos Bodi

    Como o senhor avalia a pavimentaçãoem São Paulo? Se comparada à de outras cidades brasileiras, ela pode ser enquadrada em nível médio. A situação atual é um reflexo das ações anteriores e, ainda, do excesso de veículos. Um estudo da USP em 2 000 quilômetros feito em 2009 mostrou que apenas em 200 a situação era regular, insatisfatória ou ruim.

    Por que muitas concessionárias continuam fazendo remendos mal-acabados nos buracos que abrem? Nós fiscalizamos e multamos as irregularidades. Só na subprefeitura da Sé foram setenta multas até maio. Mas as empresas acabam recorrendo à Justiça, e o arcabouço de leis dilui as responsabilidades.

    Nos contratos de cidades como Belo Horizonte com empresas de recapeamento, a remuneração é fixa, por quilômetro mantido permanentemente, e não proporcional aos buracos tapados. Não faz mais sentido? A malha viária de Belo Horizonte corresponde a aproximadamente um quarto do circuito em São Paulo. Portanto, as necessidades e medidas diferem. A opção por esse modelo requer também um estudo aprofundado dos custos. Outro fator importante é que tal medida é aplicada mais facilmente em novas vias. Nas antigas, algumas empresas de manutenção achariam o risco muito alto.

     

    RALI URBANO

    18% dos paulistanosacham que a máqualidade das vias é o principal problemada cidade

    290 000 buracos foram tapados de janeiro a agosto, de acordo com a prefeitura

    85 equipes realizam reparos no asfalto diariamente em toda a cidade, segundo a administração municipal. Você tem visto esse pessoal por aí?

    51,5 milhões de reais serão investidos até o fim do ano na operaçã otapa-buraco

    67 milhões de reais serão gastos só em recapeamento

    40 reais é o custo do metro quadrado de buraco fechado

    Fontes: Datafolha e Prefeitura de São Paulo

     

    CONHEÇA O TRABALHO DOS AUTORES DAS GRAVURAS

    > Caps – https://www.flickr.com/photos/mindnuts/

    > Cusco Rebel – Instagram:cuscorebel

    > Enivo – www.enivo.tumblr.com

    > Feik – Instagram: feik_ip

    > Jerry Batista – Instagram: jerrybatista_art

    > Lobot – Instagram: lobotex

    > Mauro – https://www.projetocartograffiti.blogspot.com

    > Mundano – pimpmycarroca.com

    > Snek – https://www.flickr.com/photos/snek_1/

    > Sipros – https://www.flickr.com/photos/sipros/

    >Tché Ruggi – https://www.flickr.com/photos/tche_ruggi

    Curadoria: Binho Ribeiro e Jacqueline Prado

     

    OS EXEMPLOS DE FORA

    Iniciativas da Rússia e do Canadá se tornam virais na internet

    Make The Politicians Work Yekaterinburg Uraru
    Make The Politicians Work Yekaterinburg Uraru ()

    Cansados de mostrar em reportagens os buracos das ruas de Yekaterinburg, na Rússia, os responsáveis pelo site Ura.ru, em parceria com a agência de publicidade Voskhod, encontraram uma maneira inusitada de chamar a atenção do poder público para o problema: durante a madrugada, foram grafitados o rosto do governador, o do prefeito e o do viceprefeito locais em três buracos da cidade. Feito em 2012, o vídeo explicando a ação, que se espalhou pelo mundo, mostrava que a provocação deu certo — as valas foram tapadas.

    Buraco Potholes Davide Luciano
    Buraco Potholes Davide Luciano ()

    No Canadá, o casal de fotógrafos Davide Luciano e Claudia Ficca, depois de cair com o carro em uma cratera, ironizou a qualidade das vias em um ensaio. Intitulada de Potholes, a série de fotos, feitas em Los Angeles, Nova York, Toronto e Montreal, exibe as lacunas da pista funcionando como lago para pesca, tanque de lavar roupa e até batistério.

     

     

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