Estádio do Morumbi, quarta-feira passada, 21h40. Em meio a uma explosão visual proporcionada por um telão de 1.300 metros quadrados, a banda irlandesa U2 começa a entoar clássicos como “I Will Follow”. Imediatamente, as 89.000 pessoas que conseguiram comprar os disputados ingressos do show vão ao delírio. Mas não só elas. A estudante Gabriela Brito, de 21 anos, acompanhou o último concerto do grupo na capital sem sair de casa. “Invariavelmente, os eventos musicais realizados no campo ecoam por boa parte do bairro”, diz ela, moradora do 13º andar de um prédio localizado a 1,5 quilômetro da arena são-paulina. “Ainda bem que gosto do U2.”
Durante a apresentação, VEJA SÃO PAULO mediu o nível de ruído em diversos pontos nas redondezas. O volume constatado na casa da estudante Gabriela era de 62 decibéis — acima dos 55, o limite tolerado pelo ouvido humano durante exposição prolongada ao barulho sem causar danos à saúde. Em frente ao Hospital Albert Einstein, localizado a 850 metros dali, registraram-se 79 decibéis (nos anos 90, a direção do hospital mandou instalar janelas antirruído nos quartos dos pacientes para evitar problemas). Na porta do estádio, a coisa chegou a 87 decibéis. Estar ali, naquele momento, equivalia à sensação de ficar ao lado de um jato decolando.
“Durante o show, o Bono Vox parecia gritar dentro da minha garagem”, lembra o advogado Fuad Abbud Júnior, que mora em uma casa a 1 quilômetro de distância. “Como se não bastasse o barulho ensurdecedor, sou obrigado a conviver com achaques de flanelinhas e pessoas urinando na porta da minha casa”, reclama o também advogado Oswaldo Galvão, que reside a 150 metros de onde o U2 se apresentou.
De acordo com a Lei de Zoneamento, os limites de ruído permitidos nos arredores do Morumbi são de até 50 decibéis entre 7 e 22 horas e 45 decibéis após esse período. Apesar das evidências de que os espetáculos ali realizados superam, em muito, esse limite, o Programa de Silêncio Urbano (Psiu), encarregado de fiscalizar a poluição sonora na cidade, registrou apenas duas queixas referentes à sede do São Paulo Futebol Clube neste ano. A pedido do Ministério Público Estadual, o Psiu realizou medições ao redor do estádio durante as apresentações do U2 no fim de semana passado. Estranhamente, segundo a equipe destacada, o nível de barulho provocado pela banda não extrapolou o permitido.
Em 2005, a associação de moradores do Pacaembu entrou na Justiça para exigir a proibição de eventos musicais dentro do estádio. Conseguiu a vitória em primeira instância, mas o caso segue sendo discutido no Judiciário. Por enquanto, a entidade que cuida dos interesses dos residentes no Morumbi não pensa em seguir o exemplo. “Temos problemas mais sérios no bairro do que a algazarra durante os espetáculos, como o da segurança”, afirma Helena Caldeira, presidente da Associação Morumbi Melhor. Para os vizinhos descontentes, o único consolo é que não há nenhum show de heavy metal previsto para este ano.