Assistir aos vídeos de Gilda Bandeira, 81, e Sônia Bonetti, 86, dá a impressão de que se está conversando com
duas amigas em uma mesa de boteco. Com mais de 90 000 inscritos no YouTube e 450 000 seguidores no TikTok e no Instagram juntos, as influenciadoras paulistanas, conhecidas como as Avós da Razão, fazem sucesso ao falar sobre o envelhecimento sem tabus, mostrando que a idade não deve ser encarada como limitação. No perfil, elas também ensinam receitas, dão dicas de passeios culturais pela cidade e respondem a perguntas dos usuários sobre temas que variam de sexo a mercado de trabalho.
A ideia do projeto, que começou em 2018, foi de Cássia Camargo, ex-nora de Gilda, que sempre acompanhou a dupla, amigas há mais de sessenta anos, nos encontros nos bares. “Somos duas botequeiras de mão-cheia e Cássia achou que nosso papo podia servir para outros velhos saberem que podemos nos divertir, que não precisamos nos ocultar”, conta Gilda. As gravações costumam acontecer em semanas alternadas. Os conteúdos são diversos: elas visitam locais icônicos de São Paulo, como o Bar Leo, na Santa Ifigênia, onde gravaram o episódio especial de 470 anos da cidade, compartilham reflexões sobre a vida, recomendam livros e, principalmente, criticam os preconceitos relacionados à terceira idade. “Tem que parar com isso de ‘idoso’. ‘Idoso’ é ido, algo que já foi. Somos velhas”, reivindica Sônia. “E ‘melhor idade’, então? Queria entender quem inventou isso”, reclama Gilda. A rotina atribulada foi um dos motivos para a saída de Helena Wiechmann, 95, uma das fundadoras do canal, no ano passado. “Às vezes ficamos gravando o dia inteiro. Ela não queria mais compromisso, estava cansada. Está bem de saúde, nos encontramos ainda, inclusive nos botecos”, assegura Sônia.
No início, a tecnologia assustou as blogueiras, que às vezes contam com a ajuda dos netos ou outros parentes para mexer no celular e no computador — na entrevista, que aconteceu via chamada de vídeo, Gilda teve de recorrer ao seu “assistente técnico”, Miguel, o neto de 14 anos, para virar a câmera. “Começamos a gravar com celular, mesmo, e fomos aprendendo. A Sônia ainda é mais dedicada nesse assunto, mas eu não sabia nem o que era um link”, conta Gilda, rindo. “Tenho raiva de pessoas da nossa idade que dizem que não conseguem mexer na internet. É só aprender. Não aprendeu a andar, a ler?”, completa.
A criação de conteúdo se tornou, além de um hobby, um trabalho, que resultou no lançamento do livro Avós da Razão: Quebrando a Cristaleira! no ano passado, parcerias com marcas e convites para podcasts e páginas de outros influenciadores. Se, no começo, os seguidores eram em sua maioria das novas gerações, hoje o público é variado. “Acho que os próprios jovens começaram a mostrar o programa para os pais, para os avós, e agora tem muita gente de mais idade que está nos acompanhando”, conta Sônia. “Recebemos mensagens de pessoas dizendo que, com a gente, mudaram o pensamento, o jeito de vestir, tomaram coragem de fazer uma tatuagem. É muito gratificante”, continua.
Para a surpresa da dupla, o canal e os perfis acabaram virando, também, um confessionário. Diariamente, seguidores as procuram em busca de conselhos sobre relacionamentos, sexualidade e outros temas. “Os homens gays são boa parte do nosso público, eles nos procuram perguntando como, por exemplo, se assumir para os pais, sair de casa. Acho que é porque falamos a verdade e aceitamos todas as diferenças. Sempre fomos mais evoluídas que as outras pessoas nesse sentido”, revela Sônia.
Também não faltam perguntas curiosas sobre o envelhecimento. “Uma vez nos perguntaram se já tínhamos feito sexo tântrico. Demos muita risada. Pensamos: ‘Será que vamos ter que fazer para explicar?’ ”, lembra Gilda, rindo. “O sexo de velhos gera muita curiosidade, mas explicamos que é normal como em qualquer faixa etária e levamos tudo com bom humor”, resume a amiga.
Com passagem por várias profissões — Gilda trabalhou como figurinista do SBT durante anos e Sônia já foi secretária, modelo e, mais recentemente, comandou uma banca de aves no Mercado Municipal de Pinheiros —, as octogenárias estão sempre prontas para uma nova experiência. A próxima é um podcast, ainda sem previsão de lançamento. “Descobrimos no envelhecimento uma liberdade que não esperávamos. Somos a geração de velhos que está fazendo a divisão de águas, para que os jovens do futuro consigam ser eles mesmos”, conclui Sônia.
Publicado em VEJA São Paulo de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879