Pelos mais de 7 quilômetros de extensão da Avenida dos Bandeirantes, que liga a Marginal Pinheiros à Rodovia dos Imigrantes, na Zona Sul da capital, passam 30.000 carros no horário de pico. São 166 veículos por minuto, que contribuem para fazer dela uma das vias mais congestionadas da cidade, com velocidade média de 18 quilômetros por hora em determinados momentos. Com potenciais consumidores andando a passo de tartaruga, a via se tornou um grande corredor comercial. Há ofertas de mais de cinquenta tipos de barco (os preços podem chegar a 2,8 milhões de reais), além de dezenas de modelos de piscina, banheira, lareira, churrasqueira, móveis para escritório e diversos produtos difíceis de encontrar. Num determinado ponto convivem em harmonia anões de tamanhos variados, Brancas de Neve, miniaturas do Cristo Redentor e da Estátua da Liberdade. Todos feitos de cimento e pó de mármore pela Jardins Modernos, loja que abastece as casas de famosos como o sertanejo Zezé Di Camargo e o apresentador Gugu Liberato, entre outros.
Em sua parte final, funcionam três sex shops, algumas abertas 24 horas e vizinhas de hotéis de alta rotatividade. Nessa avenida onde se tem sempre a impressão de que tudo pode acontecer, coisas estranhas realmente acontecem. Exemplo disso ocorreu no domingo (11), quando um jato Citation CJ3 teve problemas no freio, atravessou a pista de pouso e colidiu com o gramado do Aeroporto de Congonhas — que faz divisa com a Bandeirantes. “Escutei o estrondo vindo de fora e pensei tratar-se de uma batida de caminhão”, lembra Daniel de Almeida, vendedor da Trentini Móveis. “Mas, quando olhei pela janela, vi um avião que, se estivesse em alta velocidade, poderia ter caído dentro do meu local de trabalho.” Estavam a bordo uma passageira, o copiloto e o comandante, que sofreu traumatismo craniano e seguia hospitalizado até a última quinta (15). “Já perdi a conta dos acidentes aéreos que vi de perto”, diz Marcos Pacheco, gerente da revendedora de barcos All Flags. “Minha loja está no sentido da pista de pouso. Não nego que sinto certo medo.” A tragédia mais chocante dos últimos anos ocorreu em julho de 2007, quando um Airbus A320 da TAM atravessou a Avenida Washington Luís e explodiu contra um prédio, matando 199 pessoas.
Apesar da vizinhança incômoda do aeroporto, muitos comerciantes fazem de tudo para estar ali, pois a avenida virou um importante corredor comercial nas últimas décadas. A miscelânea de ofertas começa com lojas de lareiras e concessionárias de carros e motos na proximidade da Marginal Pinheiros. Perto de Congonhas, há uma concentração de comércio de produtos para jardim e de artigos náuticos, com mais de dez endereços especializados em barcos, lanchas e jet skis. Nas redondezas da Imigrantes, surgem alguns drive-ins e as sex shops. “Estamos perto de bairros ricos, caso da Vila Olímpia e de Moema, e a avenida também serve de passagem para os paulistanos em direção ao litoral”, observa Pacheco, da All Flags.
O aluguel mensal de uma loja de 2.000 metros quadrados chega hoje a 20.000 reais na região. Se o investimento compensa? “Vendemos 3.500 quilos de picanha por mês”, comemora Marcos Back, gerente da Fogo de Chão, churrascaria que fatura 3 milhões de reais mensais. Devido à proximidade com prédios corporativos, 60% da clientela da casa é composta de estrangeiros. Alguns deles se assustam com os preços. “Na filial da Fogo de Chão em Washington paguei menos do que aqui em São Paulo”, compara o executivo norueguês Arnt Kristiansen, que visitou o restaurante na semana passada. Nos Estados Unidos, o rodízio custa o equivalente a 95 reais. Aqui, sai por 103 reais. “A filial americana se abastece de carne do Texas, que é mais barata”, justifica Back.
Além do trânsito infernal e de sua consequente poluição, amenizada com a restrição da circulação de caminhões em dezembro de 2011, uma constante preocupação é a segurança. “Já fui assaltado duas vezes”, conta Ney Ribeiro, dono da Braz-Tools, especializada em artigos agrícolas e náuticos. Há três meses, a fachada de sua loja foi atingida por uma bala. Detalhe: o caso ocorreu numa tarde de sábado. “Sorte que meu vidro é blindado”, diz. De três anos para cá, usuários de crack passaram a se aglomerar sob o Viaduto Jabaquara. “Vira e mexe alguma cliente chora porque perdeu a bolsa ou o celular”, afirma Dalton Vieira, gerente da Padaria Graal, antiga Rainha. “Mas isso ocorre em toda a cidade. Na Avenida dos Bandeirantes, o medo maior é ser atingido por uma turbina na cabeça.”
QUE SUSTO
A proximidade com o aeroporto transformou a região em palco de alguns desastres aéreos. No domingo (11), o jato Citation CJ3 não conseguiu frear na pista de pouso de Congonhas e quase invadiu a avenida. Não houve mortos. Perplexos, curiosos pararam seus veículos para acompanhar o trabalho dos bombeiros.
O BANQUETE DOS GRINGOS
Eles somam 60% da clientela da churrascaria Fogo de Chão, como o executivo norueguês Arnt Kristiansen.
ZANGADO E CIA.
Feitos em tamanhos variados (os maiorzinhos têm 45 centímetros), os sete anões convivem com réplicas de Davi, do Cristo Redentor e da Estátua da Liberdade na Jardins Modernos, do gerente Aparecido Nicoliello. “Os anões viraram presente de amigo secreto”.
BARCOS NO ASFALTO
A All Flags oferece modelos de lancha a preços entre 50.000 e 2,8 milhões de reais. Ali, 150 unidades são vendidas por ano.
CASA FANTASMA
Afugentados pelo barulho do trânsito, muitos moradores deixaram a vizinhança. Casas em ruínas são vendidas por até 400.000 reais
FILIAL DA CRACOLÂNDIA
No Viaduto Jabaquara,os viciados consomem a droga livremente e praticam pequenos assaltos
ZONA DE RISCO
A loja de artigos agrícolas e náuticos Braz-Tools, de Ney Ribeiro, teve sua fachada baleada há três meses
PARAÍSO DOS COMERCIANTES, PESADELO DOS MOTORISTAS
– 7.100 metros é a extensão da avenida
– 30.000 carros passam por ali nos horários de maior movimento
– 18,4 quilômetros por hora é a velocidade no horário de pico no sentido centro
– 150 pontos comerciais existem na via
– 20.000 reais é o custo mensal de aluguel de uma loja de 2.000 metros quadrados