Entre as fronteiras vinícolas do chamado Novo Mundo — como são tratados os países fora do continente europeu —, a Austrália dispõe de uma constelação de cerca de 2 000 produtores distribuídos por seu território. Uma parcela deles teve um tremendo avanço de qualidade e passou a fazer rótulos premium invejáveis a partir da década de 80.
“O país deu esse salto porque é vanguarda”, diz Jorge Carrara, crítico da ‘Folha de S.Paulo’. “Os enólogos quebram paradigmas e ousam na elaboração da bebida.” Para o especialista, foram fundamentais o investimento em tecnologia, as escolas de enologia e as pesquisas de solo e clima. Além do prestígio alcançado internacionalmente, a Austrália aprimorou uma variedade para chamar de sua: a shiraz, derivada da syrah francesa, virou símbolo de seus tintos. Essa uva conta com a mesma dimensão da malbec para a Argentina e da carmenère para o Chile. Os brancos australianos, feitos de chardonnay, riesling ou sémillon, também alcançaram respeito pelas características singulares.
Por anos consecutivos, porém, o país se ocupou em fabricar bebida sem muita expressão. Em outra frente, copiava os tintos fortificados da região do Porto e alguns exemplares de sobremesa, preparados para atender às exportações destinadas à Inglaterra. Os vinhos finos de mesa começaram a chamar atenção por volta de 1925, ano em que Maurice O’Shea desenvolveu o Mount Pleasant, a partir de vinhedos do Hunter Valley. Embora tenha sido uma evolução significativa, esse ainda era um passo tímido. O modelo que nortearia o sucesso só surgiria quase três décadas mais tarde, quando o enólogo Max Schubert criou o Grange Hermitage para a Penfolds, no Barossa Valley.
Na volta de uma viagem de aperfeiçoamento profissional à França, Schubert encontrou inspiração para conceber esse rótulo de alta gama. Na composição da bebida, longeva e de aroma e paladar complexos, ele usou a shiraz, cujas videiras foram importadas da região francesa do Rio Rhône. Schubert arriscou ao deixar de lado a cabernet sauvignon, uva de Bordeaux mais aceita pelos apreciadores. Ao chegarem às lojas, os primeiros lotes da safra 1951 receberam duras críticas, mas seu autor permaneceu refratário a elas. O reconhecimento veio nos anos 60. Desde então, o Grange, que recentemente perdeu o aposto Hermitage no nome, consagrou-se um ícone inigualável entre os vinhos australianos.
Embora mítico, o Grange tem hoje a seu lado outros australianos de renome. Tão significativo e tão desejado pelos enófilos, por exemplo, é o Hill of Grace, que deve chegar a São Paulo em outubro pela importadora KMM. “Se fizéssemos um paralelo entre o Grange e um francês, ele seria um bordeaux, só que mais potente”, explica Marcelo Copello, colunista da revista Gosto. “O Hill of Grace tem um refinamento comparável ao dos borgonhas.” Além desses dois tintos, outros oito rótulos, selecionados nesta reportagem e disponíveis no Brasil, ajudam a entender como a Austrália, cheia de irreverência, chegou ao pódio ao lado dos grandes produtores do planeta.