Com a reabertura do Parque da Ciência e a previsão de receber mais visitantes nos próximos anos, o Instituto Butantan pretende construir um edifício de estacionamento e uma nova portaria. Mas a obra, que nem saiu do papel, se viu em meio a uma polêmica: ameaçava ocupar um terreno que a prefeitura alega ser dela e onde funciona hoje um Ponto de Economia Solidária, ligado à rede de atenção psicossocial do município, que teria de ser desalojado.
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Moradores da região e trabalhadores do ponto — que existe há seis anos e conta com feira de orgânicos, livraria, loja de artesanato, horta e comedoria — pressionaram nas redes sociais, acionaram parlamentares e fizeram apelos ao Butantan. Surtiu efeito: na segunda (11), o instituto mudou o projeto para não afetar mais o terreno do local.
De acordo com o plano original do edital, publicado em maio, o novo acesso ficaria na Avenida Corifeu de Azevedo Marques, justamente onde está localizado o Ponto de Economia Solidária. Mas o setor de engenharia do instituto revisitou o projeto e viabilizou um novo lugar para a futura entrada da garagem, em uma via lateral, que atualmente é uma avenida não asfaltada que fica dentro do instituto.
Ligado à Secretaria Municipal da Saúde, o Ponto de Economia Solidária serve para gerar emprego e renda às pessoas que são atendidas na rede psicossocial do bairro. Sua gestão é feita por um conselho composto de diversos profissionais e servidores, que administram os serviços, as contas e a rotina de trabalho.
Risonete Fernandes, 50, que já foi usuária dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) no passado, é uma das conselheiras e trabalhadoras do lugar desde a sua criação e se mobiliza para mantê-lo onde está. “Se algum dia a gente chegar aqui e não puder trabalhar, a gente tem uma pasta de boleto para pagar. São os trabalhadores que organizam e fazem a gestão de tudo. Mudar de local precisaria ser muito bem pensado.”
Em maio, começou nas redes uma pressão de ativistas da região do Butantã com o mote “O ponto fica”, que ganhou a atenção de parlamentares como o vereador Eduardo Suplicy (PT), que conseguiu uma reunião entre os ativistas e o Instituto Butantan em 20 de maio e uma Audiência Pública na Câmara Municipal de
São Paulo em 29 de maio.
Pessoas ouvidas antes da mudança no edital alegavam “falta de diálogo” com o Butantan. Sônia Hambúrguer, 60, uma das conselheiras, contou que o órgão havia oferecido nenhuma alternativa de outro imóvel. “A gente falou que as pessoas que estão aqui, ocupando o equipamento público de saúde, não querem sair, esta casa é muito importante para a gente. Em nenhum momento houve proposta, o diálogo foi sempre muito complicado”, relatou. O instituto afirmou, por outro lado, que as conversas eram frequentes e ocorriam havia mais de dois anos.
Além da relação conflituosa com os trabalhadores, a obra enfrentou questionamentos sobre sua viabilidade, já que a prefeitura afirma que o terreno de 527 metros quadrados onde está o equipamento de economia solidária é dela, baseada em um ato de cessão publicado de 11 de fevereiro de 2015, que prevê a transferência do imóvel para a Saúde municipal especificamente para um programa de geração de renda de pessoas assistidas pelo Caps.
A questão foi levantada em pedidos de esclarecimentos feitos no âmbito do edital de licitação. O Butantan alegou em nota que detém 80% do terreno e os 20% restantes pertencem ao município, e enviou à Casa Civil Municipal um ofício pedindo autorização apenas para a parcela cuja posse é municipal, uma solicitação que ainda estava pendente de análise até a mudança no projeto. Questionado se a alteração no projeto foi impulsionada pela pressão do grupo, o Butantan não explicou o motivo. Em resposta a diversas contestações feitas no edital, o Butantan destacou que, “considerando o interesse público envolvido no certame e que qualquer dúvida levantada pode prejudicar a ampla participação de possíveis interessados, decidiu-se por retificar o edital em comento, garantindo o saneamento de quaisquer dúvidas a esse respeito, especialmente em relação à predita área ocupada pela prefeitura”.
* Independente da revisão do projeto, o edital pode ser analisado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP). Uma representação feita pela vereadora Juliana Cardoso (PT) pede “o exame prévio do edital de concorrência 003/2022”, que visa contratar a empresa para tocar a obra do novo estacionamento e acesso. O conselheiro Antônio Roque Citadini intimou o instituto, para apresentar até esta sexta (15) “as justificativas e documentos que entender cabíveis sobre o assunto”.
* Esta matéria foi alterada em 14 de julho para inserção do trecho sobre a representação no TCE.
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Publicado em VEJA São Paulo de 20 de julho de 2022, edição nº 2798