“Em um curso de teatro, tive um caso com um cara. Ele parecia uma pessoa calma durante as aulas. Saímos por duas semanas e em abril de 2002 ele tentou me matar. Eu estava na casa dele depois de uma festa a que fomos juntos e, em um surto psicótico, ele pegou a cadeira e bateu no meu rosto. Eu caí e minha cabeça começou a sangrar. Ele foi até a cozinha e pegou uma faca. Dizia que eu estava desgraçando a vida dele. Eu levantei, corri até o banheiro e me tranquei lá. Desesperada, liguei para uma amiga me ajudar. Do lado de fora, ele chutava a porta. O colega de apartamento dele apareceu e o segurou. Depois me explicou que já havia presenciado outros surtos antes. Consegui fugir e minha amiga me levou direto ao hospital.
Fiquei um dia internada com traumatismo craniano. Tomei remédios, comecei a fazer terapia três vezes por semana. Eu já tinha passado por violências antes, mas aquele havia sido o ápice. Dentro de mim, nascia um medo de me relacionar com outras pessoas. Carrego uma cicatriz na testa até hoje, mas a recuperação da minha parte emotiva foi bem mais difícil.
Eu nunca procurei um namorado, gostava de ser completamente independente. Mas se fosse para estar com alguém, que fosse um homem que me aceitasse como sou: uma mulher que adora sair e beber, que fala palavrão e gosta de sexo. Por causa desse meu jeito, algumas pessoas me rotulavam de ‘piranha’.
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Comecei a frequentar com meus amigos gays uma balada chamada Trash 80’s, que rolava no bar do Hotel Cambridge, no centro da cidade. Um chat da festa foi criado em um grupo no Yahoo e um cara chamado Luciano começou a conversar comigo e me adicionou no ICQ. Não dava muita bola, até que vi a foto dele e achei bonitinho. Em uma edição da Trash, ele veio falar comigo pessoalmente e acabamos dando uns beijos. Percebi que eu não queria me isolar e perder a oportunidade de conhecer uma pessoa legal. Começamos a ficar e no mês seguinte, depois de beber horrores, confessamos que estávamos apaixonados um pelo outro. Ele falava que eu era muita areia pro caminhãozinho dele, e eu, brincando, dizia para ele parar de ser besta. Quatro anos mais velha do que o Luciano, no início houve resistência da família dele por eu ser ‘mais experiente’
Seis meses depois, comecei a passar mal. Vomitei após correr na esteira, meus seios doíam. não era possível que estivesse grávida, eu quase não ovulava. Os médicos me diziam que, se um dia quisesse ter filhos, teria de fazer um tratamento. Comprei um teste de farmácia e deu positivo. Foi um choque para o Luciano, ele era estagiário e estava preocupado em como cuidaria de um filho ganhando pouco. Ele foi comigo fazer um exame de sangue para confirmar. Quando o resultado saiu, descobri que estava grávida fazia dois meses. Emocionado com a confirmação de que iria mesmo ser pai, Luciano chorou, e eu chorei junto com ele.
No aniversário de um ano de namoro, eu me casei levando Maria Clara (hoje com 18 anos) na barriga, e à noite fomos à Trash comemorar.
Descobri que não tinha talento para o teatro e achava que não era boa em nada. Luciano me incentivou a achar outra profissão. Pagou minha faculdade de fotografia e meu equipamento (que não é nada barato). Consegui trabalho em uma agência e comecei a fotografar o time para o qual ele torce, São Paulo. Antes da pandemia, eu o levava às festas com os jogadores e ele ficava doido de felicidade. Também trabalhava no campo enquanto ele assistia aos jogos na arquibancada. Com ele, até hoje, estou tendo os melhores anos da minha vida.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 02 de junho de 2021, edição nº 2740