Poucos compositores descreveram e interpretaram São Paulo como Adoniran Barbosa (1910-1982). Suas canções, ambientadas em bairros como Bixiga, Brás e Jaçanã, e protagonizadas por tipos com sotaque ao mesmo tempo italianado e acaipirado, parecem nos transportar até o início do século passado, quando a cidade ainda estava longe de se converter na metrópole atual. Nascido em Valinhos, a 90 quilômetros da capital, e estabelecido em São Paulo aos 22 anos, João Rubinato (seu nome de batismo) se notabilizou por buscar situações cotidianas e prosaicas para criar seu repertório. “Fazer samba sobre Ipanema é fácil. Difícil é fazer sobre Itapecerica da Serra”, declarou certa vez. Não à toa, o linguajar capturado pelo sambista nas ruas era cravejado de erros gramaticais e expressões populares. “Raiva”, por exemplo, virou “reiva”. “Ernesto” deu lugar a “Arnesto”. “Escrever errado é a coisa mais difícil que existe. Se não for feito do jeito certo, vira piada, deboche”, justificou ele em outra ocasião.
+ Veja galeria de fotos de Adoniran Barbosa e da São Paulo do século passado
A relação do autor de “Saudosa Maloca” com o ambiente que lhe serviu de inspiração emerge das páginas de “Trem das Onze — A Poética de Adoniran Barbosa” (Editora Aprazível; 204 páginas; 130 reais), que reúne mais de 160 fotografias. Muitas trazem Adoniran. Outras, a cidade em que ele viveu e criou, entre os anos 30 e 80. Uma delas flagra senhoras emperiquitadas, com cabelos meticulosamente penteados, acompanhando um jogo de futebol no Estádio do Pacaembu na década de 40. Um registro da mesma época mostra a chegada de imigrantes nordestinos por aqui em busca de trabalho. “Escolhemos imagens de personagens e situações que poderiam ter sido observadas por Adoniran enquanto vivo”, conta Nigge Loddi, uma das organizadoras da obra, cujo lançamento está prometido para a próxima quarta (15), às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Vem acompanhada de um CD com catorze clássicos do compositor, como “Tiro ao Álvaro” e “Iracema”. Inclui ainda uma breve biografia, escrita pelo jornalista Celso de Campos Jr. “A fidelidade à música e à fala do povo permitiu a Adoniran exprimir a sua cidade de modo completo e perfeito”, afirma o crítico literário Antonio Candido, na abertura do livro. Mais que isso. Com suas canções, o sambista conseguiu congelar uma São Paulo que há muito deixou de existir.