O sangue encharcava boa parte da pista. Ao longe, era possível ouvir guinchos estridentes de dor. Na última terça (25), por volta das 4 da manhã, uma carreta tombou no quilômetro 14 oeste do Rodoanel, em frente a uma praça de pedágio. O motorista, que teria tentado mudar de faixa bruscamente, saiu ileso. No compartimento de cargas, transportava 109 porcos de um criador de Minas Gerais, os quais seriam abatidos em um frigorífico de Carapicuíba, na região metropolitana.
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O impacto fez com que alguns ficassem presos nas ferragens ou acabassem amontoados uns em cima dos outros. Os exemplares, exclusivamente fêmeas (algumas ainda jorravam leite), pesavam mais de 200 quilos. Alguns pereceram por sufocamento ou esmagamento. Com a divulgação do acidente, não demorou para que aparecessem protetores de animais empenhados em salvar os suínos, prestar cuidados veterinários e ampará-los com água e comida.
Em pouco tempo, a rede de contatos de grupos da área, conhecidos pela grande disposição em ajudar, foi ativada, principalmente pelo Facebook e WhatsApp. Vídeos e fotos publicados na web mostravam cenas de revirar o estômago — bichos feridos e repletos de fraturas, por exemplo. Uma das primeiras a chegar foi a química Adriana Khouri, que deixou o trabalho de lado para oferecer auxílio. “Foi um espetáculo de horror”, lembra. “Espero que, com isso, as pessoas vejam os porcos como seres vivos, que sofrem e sentem dor, em vez de pedaços de carne.” Depois dela, dezenas de outros voluntários apareceram no local.
A rapidez no socorro superou a do caso dos beagles, em 2013, quando ativistas invadiram o Instituto Royal, no interior, onde eram realizados testes com as mascotes, e levaram embora mais de 170 cachorros da raça. Muitos dos envolvidos, entre eles integrantes da entidade Faos/SP, agiram em ambos os casos. Dezenove porcos morreram no local. Os procedimentos usados para retirar os suínos do lugar foram criticados pelos defensores dos direitos dos animais. Em uma das tentativas mal sucedidas e desastrosas de desvirar a carreta com uma retroescavadeira, a carroceria, já bastante levantada, despencou.
Com isso, alguns animais, com as pernas penduradas, tiveram as patas esmagadas ou quebradas. “A responsabilidade da retirada é do dono da carga, que deve possuir recursos operacionais apropriados e competência técnica para lidar com esse tipo de acidente”, afirma o gerente de operações Carlos Costa, da CCR Rodoanel, concessionária administradora do trecho e apoiadora de toda a ação. Após discussões com funcionários do Frigorífico Rajá, conseguiu-se que os bichos fossem liberados para um santuário em São Roque, no interior. “Antes de chegarmos, 22 porcos acidentados já haviam sido levados pela empresa”, diz a advogada Sandra Limande Lopes, membro da Comissão de Proteção e Defesa Animal da OAB-SP, responsável pela mediação entre os ativistas e o frigorífico.
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Na quinta (27), ocorreu um protesto em frente à firma, que liberou o restante dos suínos após uma reunião com Sandra. Até que todos os porcos fossem encaminhados à sua nova casa, os voluntários montaram guarda e ajudaram em sua retirada. O processo se alongou até perto das 20 horas. Quando mais de 100 socorristas se reuniam no local, foi necessário pedir aos voluntários que parassem de ir para lá, a fim de evitar tumulto.
No santuário, comandado pela empresária Cintia Frattini, cuidadora de várias outras espécies, os porcos foram tratados por veterinários. Vinte e quatro não resistiram aos ferimentos e 44 escaparam vivos, alguns bastante fracos e prejudicados. Com o intuito de amealhar recursos para o local, criou-se uma vaquinha virtual. Em poucas horas, milhares de reais haviam sido coletados para pagar medicamentos, comida e a construção de recintos específicos — até o fim da semana, o crowdfunding contabilizava mais de 200 000 reais. “A manutenção de cada animal deve custar aproximadamente 500 reais por mês”, calcula Fabio Chaves, responsável pela iniciativa de arrecadação e fundador do site sobre veganismo Vista-se.
Ele chegou a fazer uma cobertura em tempo real do acidente e seus desdobramentos. Procurado pela reportagem de VEJA SÃO PAULO, o frigorífico não se pronunciou sobre o assunto. Nilo de Sá, diretor executivo da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos, acredita ter sido uma ocorrência pontual. “Nosso objetivo é produzir alimento, seguindo todas as normas de produção e transporte”, diz. “Vale lembrar que se trata de carga com dono, uma propriedade privada.”
Calcula-se que um carregamento dessa ordem custe pelo menos 80 000 reais. Entretanto, após lesionados, os porcos costumam ser abatidos e ter a carne descartada ou usada para rações. Por isso, valeriam muito menos. Agora, pretende-se que os sobreviventes, depois de tratamento, sejam encaminhados para adoção. Serão doados, é claro, apenas a famílias em cuja casa bacon, linguiça e afins são proibidos.
Com reportagem de Bárbara Öberg