O bartender de seu bar predileto pode estar com problemas com álcool
Diogo Sevilio, que faz mais de 100 drinques por noite, diz não beber há três anos e alerta para o consumo excessivo no setor: "ou parava ou perdia tudo"
“Sempre me perguntam no bar por que não bebo mais. Respondo: porque sou alcoólatra. E acaba por aí”, diz o bartender Diogo Sevilio, que afirma não consumir álcool há três anos. “Desde 14 de junho de 2018”, crava, ele evita ao máximo o álcool, regra que quebra apenas quando tem de ajustar um novo coquetel. Um feito para quem já chegou a ingerir mais de três garrafas de destilado em um único dia. “Ou parava ou morria, perdia minha carreira, minha esposa, tudo.” Diogo, como costuma ser chamado, começou a beber aos 13 anos (hoje, tem 36), antes de conquistar espaço na profissão.
Trabalhou em redes como a Piola e nos extintos Sonique e Vito. Não raro, passava muito do ponto. Chegou, inclusive, a correr risco de morrer ao dirigir pela Rodovia Raposo Tavares, voltando embriagado para casa, na Grande São Paulo, e a passar por graves problemas psicológicos. “A última crise foi tão traumática que ‘virei a chavinha’ ”, afirma. Resolveu adotar a política zero álcool — e, assim, ajudar a levantar uma discussão que ainda é escamoteada no métier: o alcoolismo entre os profissionais do mundo etílico.
Aí vêm as dúvidas que ele não para de receber. Como pode um bartender, que cria e executa coquetéis — no caso dele, mais de 100 por noite, no restaurante Cozinha 212, em Pinheiros, de onde diz ter todo o suporte —, não tomar unzinho? Como é possível um profissional imerso em um ambiente apinhado de garrafas — de 35 variedades lá na casa — não testar nada para aprender mais sobre a matéria-prima? As respostas estão na ponta da língua. Ele diz que já conheceu (quase) todo líquido que deveria conhecer.
“Tenho um bom repertório, desde 2006 trabalho com coquetelaria”, explica. “Sempre criei de cabeça, sei como os ingredientes se comportam. É muito difícil eu precisar provar para acertar uma receita”, garante. Não nega também que não sofre por causa desses esparsos momentos. “Quando preciso experimentar algo, eu provo, sem neurose”, diz ele, que vez ou outra participa de alguma degustação por força do ofício. “É molhar a boca, tirar uma conclusão ali e ficar curtindo o cheiro e aproveitando o feedback de todo mundo”, conta. Ele assegura não ter vontade de tomar um próximo gole. “Se sinto o álcool subir, me dá angústia, me remete a lembranças que são muito ruins. A bebida é um gatilho”, diz.
Sevilio parou de beber, mas não de sair com os amigos, embora geralmente vá embora mais cedo dos eventos. “As pessoas começam a ficar repetitivas e, muitas vezes, inconvenientes”, admite. E a que horas costumava ir para casa antes? “Eu normalmente não ia embora.” Hoje, durante as tradicionais rodadas de shot que rolam em celebrações com bartenders, ele até vira o copinho. Mas com leite.
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No mundo dos bares e restaurantes não são escassos os relatos de profissionais do ramo que têm uma relação ambígua com a bebida. “Muitos bartenders têm uma questão com álcool e nem se dão conta. Acham que é só vontade de beber, mas é o corpo pedindo. E muitos já têm algum problema de depressão, e a bebida potencializa”, revela o chefe de bar de um badalado estabelecimento.
Uma cliente assídua de bares afirmou que teve dificuldade de tomar drinques de um renomado profissional. “Duas vezes em que eu fui lá (no bar), ele estava fora do ar. Eu gostava de beber ali quando ele fazia os coquetéis, mas você via que ele estava com o olhar esquisito, ficava só viajando, parado”, lamenta. Sevilio concorda que problemas assim são recorrentes no meio e acende o alerta. “O ambiente de trabalho no bar é permissivo, dá acesso, incentiva, muitas vezes você tem condições de trabalho ruins, sem contar a pressão.”
Sevilio já venceu um dos concursos mais importantes de bartenders: a etapa nacional do World Class em 2017, promovido pela Diageo, e teve a ousadia de se inscrever, há duas semanas, para um da Campari com um coquetel livre de álcool — ele ferve a mistura para evaporar. Não é que acabou de ser classificado para a segunda fase? Cada vez mais envolvido na causa, chegou a lançar a campanha #1drinkamenos na Marginália, festa que criou (atualmente, pausada), na qual incentivava os frequentadores a doar a “saideira” a uma instituição. “Eu transformo o meu alcoolismo numa bandeira.”
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